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“A arte existe porque a vida não basta”: exposição amplia voz da saúde mental em Pelotas

“A arte existe porque a vida não basta”: exposição amplia voz da saúde mental em Pelotas

Transformar dor em cor, silêncio em música, isolamento em pertencimento. Esse é o espírito da exposição “Pincelando Emoções”, que reúne obras produzidas por usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Pelotas. A mostra abre na quinta-feira, 15 de maio, às 15h, na Sala Adail Bento Costa, na Secretaria de Cultura, e segue até o dia 30. Mais do que uma exibição de quadros, é um manifesto por cuidado, liberdade e respeito à saúde mental.

No programa Contraponto, da RádioCom Pelotas, os trabalhadores do CAPS, Milene Ness e Izamir Farias, compartilharam os bastidores e significados profundos da mostra, que marca o mês da luta antimanicomial. Segundo eles, a arte é uma das ferramentas mais poderosas no processo de cuidado e superação de quem convive com sofrimento psíquico. “É através da arte que muitas pessoas conseguem dizer o que não conseguem verbalizar”, destacou Milene.

Expressar o que não se consegue dizer: arte como linguagem terapêutica

No universo do CAPS, onde cada gesto importa, a arte assume um papel clínico e afetivo. Pinturas, colagens, sons e movimentos são formas legítimas de comunicação emocional. “A pessoa que não consegue dizer ‘estou triste’, pode desenhar um traço pesado, uma cor forte, e ali está a mensagem”, explica Izamir. Ele reforça que não se trata de estética, mas de expressão autêntica: “Não é saber pintar, é colocar para fora o que está dentro”.

As oficinas terapêuticas oferecem caminhos para a ressignificação da dor. “Já vi uma usuária que nunca tinha feito nada fazer uma flor de papel e se emocionar por descobrir que era capaz”, relembra Milene. São histórias que rompem o estigma. “Louco sim, por dignidade, por respeito, por afeto”, resume ela. Os CAPS trabalham com a ideia de cuidado em liberdade, resgatando a autonomia dos usuários e reaproximando-os da vida em sociedade.

Esse processo tem efeitos concretos. Há usuários que se tornaram artistas profissionais, com exposições no Brasil e no exterior. Outros encontraram nos grupos musicais uma nova forma de existir no mundo. “As pessoas chegam fragilizadas e se tornam protagonistas. Isso transforma não só elas, mas também a forma como a comunidade as vê”, afirma Izamir.

Da invisibilidade ao reconhecimento: a exposição como conquista coletiva

A mostra “Pincelando Emoções” resgata uma tradição interrompida de exposições organizadas pelos CAPS em Pelotas. Retomada agora com força simbólica, a iniciativa é fruto da articulação entre os oito CAPS da cidade e da sensibilidade da nova gestão da saúde mental. “Cada usuário sabe que sua obra estará exposta com seu nome. Isso é empoderamento. É dizer: ‘eu existo, eu crio, eu sou’”, afirma Milene.

A exposição apresenta entre 80 e 100 quadros, distribuídos entre os espaços disponíveis na Sala Adail Bento Costa. As obras foram escolhidas por cada unidade do CAPS, levando em conta a diversidade de linguagens e sentimentos. A abertura contará com apresentação do grupo musical Juntos e Misturados, formado por usuários e profissionais dos serviços, num gesto de celebração da arte como vínculo e resistência.

A curadoria coletiva reflete o espírito de rede e horizontalidade do cuidado praticado nos CAPS. “De nada adianta fazer um trabalho lindo e guardar na gaveta. As pessoas precisam ver. E, mais ainda, os próprios autores precisam se ver ali, reconhecidos”, comenta Milene. Para ambos os entrevistados, essa é uma forma de combater o preconceito ainda tão presente em torno da saúde mental.

Além da arte: acolher, escutar e cuidar em tempos difíceis

A exposição faz parte das atividades do mês de maio em alusão ao Dia da Luta Antimanicomial (18/05), mas sua mensagem ecoa para além da data. A fala dos profissionais evidencia os desafios e as transformações enfrentadas nos últimos anos, especialmente após a pandemia. “Hoje, recebemos desde pessoas em situação de sofrimento extremo até professores, estudantes, profissionais. A dor emocional não escolhe classe social”, pontua Izamir.

A escuta, a análise das expressões artísticas e a construção de planos terapêuticos individualizados compõem o cuidado integral promovido nos CAPS. “Já tivemos caso recente de uma pessoa que dizia estar bem, mas expressou na arte um risco grave à própria vida. A obra foi o caminho para acessar esse sofrimento e intervir”, relata o servidor do CAPS. É a arte que ajuda a romper o silêncio imposto pelo medo e pelo estigma.

O cuidado com quem cuida também foi pauta da conversa. “Nós precisamos ter nossa porta do lado. Meditar, conversar, cuidar um do outro. O sofrimento que chega no CAPS é profundo e constante”, diz Milene. Para ambos, é a arte que também oferece leveza e alento aos profissionais. “Ela nos fortalece. Porque ver alguém renascer através da arte é algo que nos renova todos os dias”, conclui Izamir.

Serviço

Exposição “Pincelando Emoções”

Abertura: 15 de maio, às 15h

Visitação: de 15 a 30 de maio

Horário: das 8h às 14h (segunda a sexta)

Local: Sala Adail Bento Costa – Secretaria de Cultura (Secult)

Endereço: Praça Cel. Pedro Osório, nº 02 – Centro

Entrada: Gratuita

Apresentação musical de abertura: Grupo Juntos e Misturados (CAPS Porto)

Organização: CAPS com apoio das Secretarias Municipais de Saúde e Cultura


*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.


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