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"A história negra é ocultada no RS", afirma vice-presidenta do Clube Cultural Fica Ahí

A exclusão da população negra da narrativa oficial do Rio Grande do Sul tem apagado contribuições históricas fundamentais para a formação do estado. Contra esse silenciamento, os clubes sociais negros mantêm viva a memória, a cultura e a articulação política da comunidade negra. Neste domingo, Pelotas será palco do primeiro Encontro Regional dos Clubes Sociais Negros do RS, momento de escuta, construção coletiva e reafirmação desses espaços como patrimônios vivos.

A entrevista com Cláudia Mendes, vice-presidenta do Clube Cultural Fica Ahí Pra Ir Dizendo, foi concedida ao programa Contraponto da RádioCom. Ela abordou os desafios enfrentados pelos clubes, a resistência centenária dessas instituições e a importância do evento que será realizado no próprio clube, no Centro de Pelotas. A dirigente ressaltou ainda que esse encontro marca o início de uma série de mobilizações preparatórias para o 11º Encontro Estadual, previsto para novembro, em Porto Alegre.

Resistência que atravessa gerações

Cláudia Mendes destacou que os clubes sociais negros surgiram como resposta direta à exclusão racial: "Eles foram criados como uma forma de resistência e permanecem até hoje." Em Pelotas, apenas dois clubes sobreviveram ao tempo: o Clube Cultural Fica Ahí Pra Ir Dizendo, com 104 anos, e o Chove não Molha, com 106. Ambos representam a força da comunidade negra local.

Esses espaços, fundados em um contexto de discriminação, surgiram para abrigar a população negra que não era aceita em salões tradicionais. Além de locais de convivência, tornaram-se polos de cultura e organização. "Hoje podemos frequentar qualquer lugar, mas não podemos esquecer do que nos trouxe até aqui", afirmou Cláudia.

A história do Fica Ahí começa com um cordão carnavalesco que, diante da rejeição da sociedade branca, se transformou em sede de escola de samba e, depois, em clube social. Essa trajetória é marcada por conquistas importantes e pela constante reafirmação da identidade negra. "É uma história que precisa ser contada às novas gerações", defendeu a vice-presidenta.

Ela também comentou sobre o simbolismo de os clubes ainda estarem de pé após tantas décadas. "A fundação desses clubes foi um ato político e de afirmação. E a nossa permanência também é política. É dizer que ainda estamos aqui, que não fomos apagados."

Invisibilidade e falta de apoio

Apesar da importância histórica, a visibilidade dos clubes segue sendo um desafio. Cláudia aponta que a adesão da própria comunidade negra às atividades dos clubes ainda é limitada. "Não gosto que pensem que estou sempre me queixando, mas a gente vive ali dentro. E é difícil ver os eventos não sendo prestigiados."

Ela também relatou a ausência de apoio financeiro do poder público. "Não há verbas nas secretarias para apoiar nossas ações. Tudo é feito com recursos próprios." Cláudia relata que, mesmo com os conselhos municipais, a participação efetiva ainda é limitada, sendo o Conselho da Comunidade Negra o mais próximo das demandas dos clubes.

A vice-presidenta ainda lamentou que, mesmo com décadas de história, os clubes não recebam o reconhecimento como espaços culturais de relevância. "Quando se fala de cultura em Pelotas, os clubes negros raramente são lembrados. Isso diz muito sobre a forma como a cultura negra é tratada."

Ainda que existam essas dificuldades, o clube mantém uma agenda ativa. Recentemente, vem se somando à programação do Julho das Pretas, com eventos em parceria com a Secretaria de Igualdade Racial e da Mulher. "A gente vai encontrando formas de manter as portas abertas e fazer com que as pessoas voltem a se ver ali."

Encontro para articular o futuro

O encontro regional tem como pauta temas fundamentais: resistência histórica e atual, políticas públicas, gestão e sustentabilidade, papel dos órgãos de igualdade racial e a patrimonialização dos clubes. Cláudia ressalta que essa articulação visa o 11º Encontro Estadual, que acontece em novembro, em Porto Alegre.

Durante o evento, haverá abertura com falas institucionais, palestra online com representante do Ministério da Igualdade Racial, e grupos de trabalho para construir uma pauta coletiva. "Queremos sair com propostas concretas para conseguir recursos e reconhecimento."

A programação começa às 8h30 da manhã, com recepção e fala da presidenta do Fica Ahí, Tereza Joaquina. Às 10h, haverá a palestra virtual, seguida de pausa para o almoço. À tarde, os participantes se dividirão em grupos de discussão com foco na realidade dos clubes e estratégias de atuação conjunta.

A organização espera a participação de representantes de diferentes regiões do estado. Cláudia reforça que o evento é gratuito e aberto ao público. "Quem quiser conhecer mais, contribuir, participar, será muito bem-vindo. Nossa porta está sempre aberta."

Serviço

Nome do evento: Encontro Regional dos Clubes Sociais Negros do RS

Data e horário: Domingo, 6 de julho, das 8h30 às 17h30

Local: Clube Cultural Fica Ahí Pra Ir Dizendo – Marechal Deodoro, 368

Descrição: Encontro de articulação e fortalecimento dos clubes sociais negros com foco em resistência histórica, políticas públicas e gestão

Entrada: Gratuita (com inscrição)

Inscrições e programação: sympla.com.br/evento/encontro-regional-em-pelotas-clubes-sociais-negros-do-rs/3003156

Realização: SCB União e Ministério da Igualdade Racial


*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.


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