Defesa de Braga Netto ressalta lealdade do general a Bolsonaro
Após 4 anos de abandono e violência, povos indígenas apresentam agenda para governo Lula
Reconstrução e fortalecimento da Funai (Fundação Nacional do Índio), rejeição ao Marco Temporal, retomada dos procedimentos de demarcação, enfrentar e combater a invasão de terras indígenas por madeireiros, garimpeiros e outros, romper com a prática de exploração de terras por arrendamentos: essas são algumas das principais reivindicações encaminhadas pelas comunidades indígenas ao governo de transição para serem encaminhadas a partir de janeiro de 2023. O tamanho da destruição das políticas indigenistas é tamanho que fica difícil saber por onde começar. Não por acaso, os povos indígenas brasileiros foram autores, nos últimos três anos, de uma série de denúncias junto a tribunais internacionais, acusando o governo de Jair Bolsonaro da prática de genocídio e destruição da natureza.
No primeiro dia de seu governo, Bolsonaro editou a Medida Provisória 870, retirando da Funai a atribuição de demarcar os territórios dos povos indígenas, transferindo-a para o Ministério da Agricultura, que passou a ser chefiado por uma liderança do agronegócio brasileiro, a ministra Teresa Cristina. Começou aí um processo de violação massiva de direitos dos povos indígenas, de destruição de seus territórios pelo agronegócio e pela mineração, e pelo extermínio físico dos povos originários.
Em 2020 e 2021, uma série de entidades indígenas e da sociedade civil denunciaram ao Tribunal Penal Internacional esse processo de violação massiva de direitos e de extermínio físico. No dia 24 de maio deste ano, a Comissão Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos denunciaram, na abertura da 50ª sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), o governo de Jair Bolsonaro pela prática de crimes contra a humanidade nos últimos dois anos, ao longo da pandemia da covid-19.
Abandono e violação de direitos no RS
No Rio Grande do Sul, a situação não foi diferente do que aconteceu no resto do país. Desmonte da Funai e das políticas de apoio às comunidades indígenas, paralisação dos processos de demarcação, exploração das terras indígenas por meio da prática de arrendamentos que alimentam processos de violência dentro das comunidades, abandono completo de famílias acampadas na beira de estradas são alguns elementos que compõem o cenário de violação de direitos contra os povos indígenas que vivem no Estado.
Segundo estimativa de Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário – Região Sul (Cimi Sul), há hoje no Rio Grande do Sul uma população indígena de aproximadamente 40 mil pessoas. Fazem parte dessa população, representantes dos povos Xokleng, Kaingang, Mbyá Guarani e Charrua. Essas comunidades, assinala o integrante da Coordenação do Cimi Sul, vivem em reservas criadas no início e meados do século passado, algumas poucas áreas demarcadas como terras tradicionais, em áreas devolutas ou concedidas pelo estado para nelas viverem, ou ainda em áreas pequenas compradas como compensação pela duplicação de rodovias. A grande maioria dessas comunidades, destaca Roberto Liebgott, ocupa margens de rodovias ou estão em situação de conflitos sociais e judiciais envolvendo a propriedade dessas áreas.
Há, pelo menos, 52 comunidades Mbyá Guarani no Rio Grande do Sul, segundo levantamento da Comissão Guarani Yvyrupa. Há outras 120 comunidades kaingang, uma comunidade Xokleng em retomada e uma comunidade Charrua vivendo em uma área adquirida pela Prefeitura de Porto Alegre.
Os Mbyá Guarani habitam uma extensa área de terras que compreendem o litoral do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em geral, assinala Liebgott, essas comunidades estão submetidas aos contextos de vulnerabilidade, exclusão, preconceito e discriminação. “Seu território de ocupação tradicional foi densamente dominado pela colonização. O pouco que restou está invadido e o povo luta por demarcações, mesmo que sejam em pequenas parcelas, considerando a magnitude de seu território original. Esta é uma medida que o governo brasileiro faz questão de protelar ou mesmo negar. Por conta da omissão do Estado brasileiro, os Guarani vivem à própria sorte e constantemente são ameaçados de despejo. É nestes locais onde se tem um alto índice de suicídios entre jovens indígenas, tentativa de assassinato e sofrem todo tipo de racismo e discriminação”.
O povo Kaingang também sofre até hoje as marcas de um processo de colonização brutal e violento. “Esse povo foi expulso de seu território tradicional, dando espaço às colônias “novas”, local ocupado por colonos alemães e italianos, em sua maioria. Restaram aos Kaingang, nesse processo de expulsão, pequenos espaços. Com o passar dos anos e com a necessidade de buscar a reconquista de seu território de ocupação tradicional, as famílias movem-se no vasto território Kaingang, onde por meio de mobilização, buscam retomar o que lhes foi roubado. Nesse contexto, são inúmeras as comunidades que acampam em margens de rodovia e com organização e luta exigem do órgão indigenista a demarcação de suas terras”, explica Roberto.
Já os Xokleng são um povo originário das regiões serranas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No final do século dezenove eram caçados pelos chamados “bugreiros”, homens contratados para eliminar os Xokleng ou expulsá-los para longe de seus territórios que passaram a ser densamente ocupados. “Os registros históricos dão conta dos massacres, recentes, sofridos por esse povo. Há uma grande parcela da população que sobreviveu aos ataques violentos em Santa Catarina, na Terra Lá Klaño Ibirama. Terra que inclusive está sob júdice no Supremo Tribunal Federal em julgamento acerca do processo de repercussão geral em que se discute a tese do Marco Temporal e os Direitos Originários”, relata o coordenador do Cimi na região Sul.
No Rio Grande do Sul um grupo de Xokleng retomou recentemente uma parcela de seu território originário, no município de São Francisco de Paula. A sua área está sobreposta por uma Floresta Nacional (FLONA), sob a responsabilidade do ICMBio, do governo federal. Os Xokleng, depois de uma liminar da Justiça Federal, foram obrigados a sair da área retomada e acamparam às margens da rodovia estadual RS 484, em frente a Flona.
Os Charrua, por sua vez, são remanescentes de um grande povo que foi quase totalmente dizimado no século dezoito. Essa comunidade vive hoje numa pequena parcela de terra doada pela prefeitura de Porto Alegre.
Demandas indígenas para o governo Lula
As comunidades indígenas encaminharam uma lista de reivindicações ao governo de transição, reivindicando que elas comecem a ser implementadas a partir de 2023. Entre elas destacam-se as seguintes:
- Fortalecimento da Funai para que reassuma as demandas de demarcação, proteção e fiscalização das terras;
- Revogação dos obstáculos administrativos a exemplo das instruções normativas 01, 09, 04 da Funai, o parecer 001 da AGU;
- Governo ser explícito quanto à rejeição ao Marco Temporal e contra os projetos de lei que restringem direitos – Pls 191, 490 e PEC 215/2000;
- Retomar os procedimentos de demarcação, com a criação de um amplo grupo de trabalho para analisar os procedimentos e identificar os encaminhamentos mais urgentes;
- Enfrentar e combater as invasões de terras por madeireiros, garimpeiros e outros;
- Romper com as práticas de exploração das terras por arrendamentos;
- Retomar as ações de controle social em todas as instâncias;
- Investir nas ações de assistência garantindo saúde, educação, habitação e sustentabilidade das comunidades;
- Garantir assistência e proteção aos indígenas em contextos urbanos;
- No Rio Grande do Sul, resolver as demandas fundiárias das comunidades assentadas nas áreas cedidas pelo estado;
- Enfrentar, nas reservas indígenas, as violências internas em função das disputas de poder e pela exploração das terras;
- Fortalecer, ou retomar, os programas de proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos;
- Enfrentar e combater a violência, especialmente contra as mulheres;
- Atenção prioritária às comunidades que estão em situação de retomadas ou em condições de acampamentos e submetidas às mais variadas formas de vulnerabilidade.
Atualmente há 22 grupos em situação de retomada e acampamento no RS. São elas:
Terra de Areia, Guarani Mbya;
Maquiné, Guarani Mbya;
Xokleng Konglui, São Francisco de Paula;
Kaingang de Canela;
Guarani Mbya de Canela;
Guarani Mbya da Ponta do Arado, Belém NOVO, POA;
Guarani Mbya de Cachoeirinha;
Guarani Mbya de Rio Grande;
Retomada Kaingang do Morro Santana, Porto Alegre;
Rio dos Índios, Kaingang;
Kandoia, Kaingang;
Passo dos Índios, Kaingang;
Segu, Kaingang;
Carazinho, Kaingang;
Mato Castelhano, Kaingang;
Passo Grande do Rio Forquilha, Kaingang;
Sertão, Kaingang;
Água Santa, Faxinal, Kaingang;
Campo do Meio;
Acampamento Aeroporto – Kaingang em Passo Fundo;
Acampamento Goj Nhur – Kaingang em Passo Fundo;
Acampamento Goj Vezo em Iraí.
Esse é o tamanho do desafio que aguarda o novo governo a partir do dia 1º de janeiro de 2023. A criação de um ministério próprio para tratar dessas questões é vista como um avanço pelos povos indígenas, mas que não pode ficar só no papel e no terreno das boas intenções. Uma das ações mais imediatas é enfrentar o problema da fome que atinge hoje comunidades indígenas em todo o país. Roberto Liebgott resume assim o que se espera do novo ministério e do governo federal que assumirá o governo do país:
“O novo governo precisará, bem mais do que tratá-la com paliativos ou criar mesas de diálogos ou negociações, enfrentar as demandas como obrigações de Estado. O futuro governo tem desafios enormes, mas precisará, desde logo, nos primeiros dias, apontar o caminho que deseja seguir em relação aos povos indígenas. Caso recue e protele, abrirá o flanco para a amplificação de uma violência sem controle, já que os inimigos permanecem entrincheirados, inclusive por dentro de suas bases de apoio e sustentação”.
Por Marco Weissheimer Sul 21
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