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Artigo | Entender para defender: Estado laico (por Regina Abrahão)

Artigo | Entender para defender: Estado laico (por Regina Abrahão)

No Brasil, foram necessários 488 anos para que religiões não hegemônicas ganhassem garantias de prática e devoção. No Brasil colônia fomos uma teocracia; no Império, o Catolicismo Apostólico Romano tornou-se religião oficial no país. A República afastou a religião do Estado, pressionada por imigrantes ligados ao protestantismo. Em 1946 Jorge Amado conseguiu garantias para o exercício religioso, embora limitadas a práticas não ofensivas aos costumes – e a definição de ofensa variava conforme a interpretação. Somente em 1988 o direito à liberdade religiosa e a garantia de sua prática passa a ser lei no país (Art 5, VI). 

Além do exercício de cultos religiosos, a laicidade traz outra garantia: impede que sejam criadas leis a partir de fundamentos religiosos, ou seja, dos códigos de conduta de alguma religião. Os diferentes costumes e religiões que vêm da diversidade étnica do Brasil não podem, ou não deveriam inspirar nenhum tipo de influência religiosa na legislação do país. O fundamentalismo religioso, porém, desafia a democracia e tenta impor seus princípios. Esta ofensiva tem crescido de forma perigosa e ostensiva a partir do projeto neopentecostal de interferir na política e no governo. 

É óbvio e constitucional o direito de professantes de qualquer crença ou de nenhuma crença (ateus) candidatarem-se a cargos eletivos no Brasil. Proibido pela Constituição Federal é que seus princípios religiosos embasem leis, com determinações ou proibições para toda a população. No atual governo, parlamentares, ministros e ocupantes de outros postos importantes tiveram como qualificação serem “terrivelmente evangélicos”. A partir daí os fundamentos cristãos abraâmicos e seu rígido código de conduta moral modificam conceitos: família, só a tradicional; toda e qualquer forma de interrupção da gravidez (incluindo risco de vida para a mãe e gravidez resultante de violência sexual) passam ser combatidas; campanhas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis ou prevenção da gravidez na adolescência são taxadas como ofensivas e todas as pautas relativas à diversidades são demonizadas.

O fundamentalismo justifica a violência com a religião. E tornaram-se tristemente comuns agressões a praticantes e templos afro-brasileiros e católicos, com agressões físicas e destruição “em nome de deus”. Hoje é concreto o risco à democracia transformando o país uma teocracia. Nelas, o poder é exercido pelo clero e governantes de determinada religião, pois os governantes são os representantes deste deus na Terra. Não contrariar um governante passa a ser lei, já que este fato significa contrariar a deus. A oposição ao governo é tratada como ofensa a deus, e sua punição pode incluir prisão ou morte. Por isto é tão atual e necessária a defesa intransigente do Estado laico e da garantia do direito de exercer e professar quaisquer religiões, resguardadas as leis do país.

Três observações necessárias:

1) A grande maioria das correntes evangélicas não podem ser consideradas neopentecostais nem concorda com tais práticas;

2) Nos três ramos derivados do tronco abraâmico, judaísmo, cristianismo e islamismo, existem segmentos de diversas vertentes ideológicas;

3) Ao contrário do que circula via fake news, o Estado laico não tem qualquer semelhança com o Estado ateu, onde práticas religiosas são inconstitucionais. É o contrário. Estado laico garante que todas as religiões podem ser praticadas, templos religiosos devem ser respeitados e criminaliza todo o tipo de perseguição religiosa.

* Regina Abrahão compõe o Fórum Interreligioso e Ecumênico do RS e a Associação Movimento Brasil Laico.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


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