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Cinema de Pelotas ganha força com o curta “O Jogo” e o Lab-ARS
Duas trajetórias que se entrelaçam na paixão pelo cinema e no compromisso com o audiovisual da região sul. Alexandre Mattos e Chico Maximilla, nomes icônicos da cena cultural de Pelotas, celebram mais uma conquista: o curta-metragem O Jogo foi selecionado para a mostra de curtas do 53º Festival de Cinema de Gramado. A obra, que tensiona relações de classe em uma narrativa afiada e potente, é também fruto de uma caminhada coletiva, que inclui o projeto de formação LAB-ARS e o fortalecimento do ecossistema audiovisual da região.
Na entrevista concedida ao programa Contraponto nesta terça, 29, os dois realizadores falaram sobre o filme, o impacto do Ecossistema ARS na formação de novos cineastas e a crescente presença da cidade de Pelotas no mapa nacional da produção independente. Com um discurso alinhado à prática, eles seguem defendendo que cinema se faz em rede — e que o sul tem muito o que mostrar.
“O Jogo”: quando a resistência cabe em 15 minutos
Com 14 minutos e 50 segundos de duração, O Jogo apresenta um conflito cotidiano e, ao mesmo tempo, emblemático das tensões sociais brasileiras. Em uma tarde aparentemente comum, Cida, empregada doméstica, e Silveira, motorista, vivem uma sequência de situações que revelam violência simbólica, exploração e desigualdade. A trama, ambientada em uma casa de classe média alta, culmina em um embate direto com a patroa — metáfora clara da luta de classes.
Segundo os diretores, a ideia do filme surgiu da vontade de retratar um Brasil real, que muitos vivem e poucos mostram. “A gente vem de famílias de operários. O filme tem muito disso, é sobre onde a gente vem e como a gente enxerga essas relações de poder”, conta Chico. O roteiro foi pensado desde o início para disputar espaço em festivais importantes, como Gramado — e o reconhecimento veio com a seleção oficial na Mostra de Curtas Gaúchos.
O elenco principal é formado por Gloria Andrades e Clemente Viscaíno, atores com larga trajetória no teatro e no cinema brasileiro. Gloria, inclusive, será homenageada com o Prêmio Sirmar Antunes. “Precisávamos de intérpretes com mais de 60 anos, que trouxessem camadas de experiência e presença cênica ao filme”, explica Alexandre. “Eles chegaram dias antes, ensaiaram até tarde e contribuíram com muito mais do que o roteiro previa.”
A produção contou com equipe técnica experiente e qualificada: direção de fotografia de Lívia Pasqual, montagem de Felipe Yurgel, produção executiva de Renata Wotter e trilha sonora original com Batucada de Sopapo, além de temas clássicos de Bach e Mozart. “A gente pensa cinema como arte coletiva. Se um setor falha, tudo desanda. Por isso, cada nome nos créditos importa muito”, reforçam os diretores.
LAB-ARS: formação e articulação para o audiovisual do sul
Para além da obra em si, O Jogo também é expressão concreta do que vem sendo construído com o Ecossistema Audiovisual Região Sul (ARS) — um arranjo de 27 empresas e profissionais da área, articulados para fortalecer a cadeia produtiva do cinema na região. A iniciativa tem apoio da UFPel e é financiada pela Lei Paulo Gustavo, através do edital Ecossistema Regional de Audiovisual.
No centro desse movimento está o LAB-ARS, laboratório que ofereceu oficinas, mentorias, masterclasses e atividades de pitch para projetos audiovisuais com foco na região sul. Dos 36 projetos inscritos, 10 foram selecionados para a etapa de formação, e dois deles seguirão para eventos de mercado — momento decisivo para transformar ideias em produtos competitivos no setor audiovisual.
“A gente trouxe profissionais de Salvador, Rio, São Paulo, Porto Alegre, com experiência real de mercado, para formar quem está começando aqui”, explica Alexandre. “A ideia é fazer com que esses projetos não parem por aqui, mas continuem circulando, se desenvolvendo e ganhando o mundo.”
Mais do que capacitar, o LAB-ARS quer criar uma nova geração de realizadores conectados à realidade local. “A gente quer que as pessoas falem da sua cidade, das suas paisagens, da sua gente. O cinema não precisa estar só nos grandes centros. O sul tem o que dizer e tem quem diga”, defende Chico.
Pelotas como polo: cinema, identidade e potência criativa
A participação em Gramado com O Jogo e Passaporte Memória — outro longa rodado majoritariamente em Pelotas — é reflexo do amadurecimento de uma cena audiovisual que há décadas resiste e se reinventa. “Nunca Pelotas esteve tão presente no Festival de Gramado como neste ano”, destaca Alexandre. Além da exibição dos filmes, a cidade será representada no evento Pelotas Film Commission Convida, no dia 18 de agosto, onde serão apresentados vídeos e brindes para promover o município como locação e polo criativo.
A valorização do território também passa pela memória afetiva dos próprios diretores. Alexandre e Chico têm uma longa história em comum, que começou nos anos 2000 com o coletivo Moviola Filmes e o programa Moviola, transmitido na RádioCom. “A gente falava de cinema, entrevistava convidados, mesmo sem saber muito. Foi ali que tudo começou”, lembram, com humor. A vontade de retomar o programa, ou criar algo similar, foi manifestada ao vivo durante a entrevista: “Pelotas precisa voltar a ter um espaço para falar de cinema.”
Com décadas de experiência acumulada e uma trajetória construída de forma colaborativa, os dois realizadores deixam um legado que inspira. “Nosso sonho é que esse movimento não acabe na gente. Que novas cineastas e cineastas surjam, que ocupem os festivais, que contem suas histórias com a cara do sul”, concluem.
Serviço
Filme: O Jogo
Direção: Alexandre Mattos Meireles e Chico Maximilla
Duração: 14’50’’
Exibição: 17 de agosto — Festival de Cinema de Gramado
Mostra Competitiva de Curtas Gaúchos
Outras participações:
18/08 – Pelotas Film Commission Convida (Museu do Festival)
22/08 – Exibição de Passaporte Memória, longa gravado em Pelotas
Outubro/Novembro – Sessão em Pelotas via Mostra Sesc de Cinema
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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