Grupo Vocal Infanto-Juvenil realiza inscrições para suas atividades
Como num bar, onde tantos iguais se reúnem, contando mentiras para poder suportar (por Leonardo Melgarejo)
Esta semana, na versão do AgroÉpop, a marmelada com queijo foi apresentada, na Rede Globo, como símbolo do agronegócio que carregaria o Brasil para um futuro próspero.
Pois bem, na mesma semana tivemos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Dia Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais contra a Violência e o lançamento do relatório da ONU sobre o clima.
Como tudo isso se relaciona?
Bom, a marmelada com queijo lembra o sonho dos excluídos na bela letra de Aldir Blanc, cantada por João Bosco no “Rancho da goiabada”.
O Dia dos Povos Indígenas lembra o inferno ecocida a que estão sendo submetidos e a denúncia apresentada no tribunal de Haia, do presidente Bolsonaro, por genocídio.
A Marcha das Margaridas lembra a destruição das políticas de suporte à agricultura familiar, e a luta das mulheres para exercerem sua capacidade de contribuição ao Brasil de Fato, que vem sendo destruído desde o golpe que depôs a presidente Dilma.
Basta observar que neste Brasil do AgroÉpop e suas super safras, 19 milhões passam fome e um em cada quatro brasileiros enfrenta grave insegurança alimentar, para entender que algo está muito errado.
E há nisso motivos de indignação que ecoam globalmente porque resultam do controle de um agronegócio suicida, sobre um governo marcado pela negligência, irresponsabilidade, descaso e incompetência. Resulta do desmonte de avanços que já estavam consolidados em 2014, quando saímos do mapa da fome.
E é isso que devemos tomar como alerta final do IPCC, sobre o clima. Nossa espécie está ameaçada pelo exercício que interesses de mercado desenvolvem, com o apoio de seus serviçais, sobre a vida de todos. E o agronegócio tem enorme responsabilidade quanto a isso.
Essencialmente, o modelo dominante de agricultura predatória e o negócio das carnes produzidas em pastos que avançam sobre as áreas de floresta, são responsáveis por nada menos que dois terços das emissões brasileiras de CO2. Talvez mais, já que com a suspensão do Censo e a destruição das bases de acompanhamento dos crimes ambientais, agora o Brasil avança às cegas. Segundo algumas estimativas este número, que oculta subestimação de pelo menos 25%, do impacto da agropecuária sobre o clima, não leva em conta a irreversibilidade de alguns retrocessos e seus desdobramentos inerciais.
Pois bem, o Relatório do IPCC exige mudanças imediatas neste modelo, e aponta a necessidade de participação de todos os governos e todas as pessoas do planeta. O que nos traz aos eventos denunciados pelos povos indígenas e pelas mulheres camponeses.
Isso porque segundo o IPCC, as pretensões do acordo de Paris, em manter o aquecimento global em +1,5ºC até 2030, levando-o a +0°C, em 2050, já se mostram praticamente inviáveis.
E mesmo que viessem a ser alcançados, o aquecimento de 1,5 graus em média, implicaria em diferenciações de impactos que comprometeriam a estabilidade de muitos ecossistemas com impactos especialmente danosos para os mais pobres. Mas não apenas para estes. O café em São Paulo, a soja no Mato Grosso, as maçãs em Santa Catarina, tudo isso e muito mais depende agora do sucesso de políticas que já apontam um crescimento de +2°C, até 2050. Catastrófico e assustador, em todos os indicadores.
Por isso, voltamos ao ilusionismo do agroÉpop e às distorções que suas campanhas midiáticas impõem, confundindo e imobilizando a sociedade, alimentando apatias que resultam da inconsciência coletiva.
Na real, precisamos mudar este governo para mobilizar o país em função da realidade.
Para sobreviver como nação, dependemos da retomada de políticas de proteção aos territórios indígenas, última linha de defesa da Amazônia, contra o avanço do AgroÉPop.
Precisamos de políticas de estímulo à agricultura familiar, que garantam oferta de alimentos e perspectivas de soberania alimentar para o nosso povo.
Necessitamos eliminar os estímulos governamentais à todas as formas de degradação ética, social, moral e ambiental que nos assolam.
Precisamos valorizar espaços de comunicação respeitosos à ciência e à objetividade dos fatos. Para que os direitos humanos se façam realizáveis, precisamos cuidar do meio ambiente.
Isto significa derrubar os padrões que alimentam a alienação de nossa sociedade.
São tantos os motivos de alerta, apontados pelos indígenas, pelas mulheres e pelo ONU, que não vou me estender aqui. Recomendo acesso aos links já apontados e ao resumo dos informes do IPCC. Agradeço também aos comentários de Simone Magalhães e Antonio Soler, enunciados em programa da Rádio Ferrabras, conduzido por Alan Camargo, onde estes e outros aspectos foram tratados de forma esclarecedora, ainda nesta semana.
Precisamos de mais programas e espaços de debate, como aquele, para que a sociedade acorde e se movimente no sentido recomendado pelas mulheres rurais, na música de Zé Pinto “para mudar a sociedade do jeito que a gente quer, participando sem medo de ser mulher”.
Ou isso, ou sonhar com bife a cavalo e batata frita.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
"Nossa espécie está ameaçada pelo exercício que interesses de mercado exercem, com o apoio de seus serviçais, sobre a vida de todos" - Fonte: IPCC AR6 WGI (Arte: Lívia Magalhães | Jornal da USP (adaptado da versão original em inglês)
*Edição: Katia Marko
*Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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