A cidade como galeria: estudantes ocupam as ruas com arte que escapa dos museus e toca o cotidiano
Conferência Livre e Marcha das Mulheres Negras mobilizam a cidade por políticas reparatórias
A cidade de Pelotas se prepara para dois eventos decisivos na luta das mulheres negras por justiça e reparação: a Conferência Livre das Mulheres Negras, na sexta-feira, 25 de julho, e a Marcha das Mulheres Negras, no sábado, 26. Ambas as ações são articuladas pelo Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (GAMP) e pelo Grupo Impulsionador rumo à Marcha Nacional das Mulheres Negras (GIM), e representam momentos centrais de escuta, mobilização popular e incidência política.
Em entrevista ao programa Contraponto, Eva Santos, coordenadora do GAMP e integrante do GIM, destacou os objetivos e significados dessas iniciativas, que fazem parte da mobilização nacional em torno da Marcha de novembro, em Brasília. Com o tema "Políticas Reparatórias", a conferência e a marcha colocam em pauta questões como saúde, território, habitação e o enfrentamento ao racismo institucional, dentro e fora dos espaços públicos.
Julho das Pretas: território político e simbólico
O Julho das Pretas serve de contexto para a realização desses eventos, sendo um marco de visibilidade para a luta histórica das mulheres negras na América Latina e no Caribe. No Brasil, o dia 25 de julho celebra Tereza de Benguela, liderança quilombola do século XVIII, e reforça o protagonismo de mulheres que, muitas vezes, são invisibilizadas pelas narrativas oficiais. "A história que aparece é a dos vencedores. Parece que o poder sempre foi masculino. Mas existiram — e existem — sociedades e experiências lideradas por mulheres negras", afirmou Eva.
Em Pelotas, o mês tem ganhado corpo com a mobilização crescente de coletivos e organizações de mulheres negras, que atuam em diferentes frentes: saúde, território, educação, cultura e segurança alimentar. Segundo Eva, o calendário unificado deste ano é uma tentativa de potencializar a visibilidade das ações, sem apagar a diversidade de iniciativas que existem fora dele. "A cidade ferve. Nem tudo está no calendário. Mas o importante é que cada vez mais mulheres negras estão organizadas e se expressando em seus territórios."
A pauta das políticas reparatórias, escolhida como eixo central da conferência e da marcha, reflete uma agenda construída ao longo do tempo. Para Eva, trata-se de muito mais do que compensações. "A reparação é uma resposta à estrutura que continua agindo sobre nossos corpos e territórios. É lutar por justiça no campo da saúde, da moradia, do meio ambiente. É também buscar o bem viver, porque a sociedade como está não oferece futuro para nós — e talvez para ninguém mais."
O GAMP, o GIM e outras redes locais têm atuado de forma articulada, fortalecendo o protagonismo das mulheres negras em Pelotas e conectando a cidade a movimentos nacionais. "Somos todas racializadas. Quanto mais avançarmos na ideia de que não existem sujeitos universais, mais chance teremos de garantir justiça para todas e todos", completou Eva.
Conferência Livre: escuta, articulação e representatividade
A Conferência Livre das Mulheres Negras de Pelotas acontece no dia 25 de julho, no Clube Cultural Chove Não Molha, com o tema "Políticas Reparatórias". O formato de conferência livre permite que grupos e movimentos sociais proponham temas e elejam representantes diretamente para a etapa nacional, prevista para setembro em Brasília. Segundo Eva, trata-se de um avanço no reconhecimento da legitimidade dos movimentos não estatais. "Nem sempre os governos chamam as conferências. As conferências livres permitem que a sociedade civil leve suas propostas diretamente ao Ministério."
A conferência local está vinculada à V Conferência Nacional das Mulheres, e segue critérios definidos pelo Ministério das Mulheres, incluindo a garantia de cotas para diferentes segmentos sociais. A expectativa é reunir mais de 50 participantes, o que garante duas representantes diretas para a etapa nacional. "Os critérios de diversidade são levados a sério. E é importante lembrar que por muito tempo as cotas foram brancas e universais. Agora estamos disputando reconhecimento."
Entre os temas mais presentes nas pré-conferências e nos diálogos preparatórios, Eva destaca a saúde, os territórios e a habitação. "A saúde aparece como um dos campos mais marcados pelo racismo institucional. É urgente ampliar o número de profissionais e qualificar a escuta e o atendimento", destacou. Em relação aos territórios, a luta por reconhecimento e proteção de áreas quilombolas, ribeirinhas e periféricas é central. "Esses territórios, historicamente ocupados por mulheres negras, são os mais atingidos pelas crises climáticas, pela especulação e pelo abandono do poder público."
A Conferência também vai tratar de educação, segurança alimentar e geração de renda. A nova política nacional de cuidados, aprovada recentemente, aparece como uma pauta estratégica. "Mulheres negras são cuidadoras — dos filhos, dos doentes, dos territórios. Falar em reparação é reconhecer esse trabalho invisibilizado e criar políticas que o sustentem", defendeu Eva.
Marcha das Mulheres Negras: presença política nas ruas
No dia 26, sábado, acontece a Marcha das Mulheres Negras de Pelotas. A mobilização começa às 11h, com concentração e acolhimento na sala 79 do Mercado Central, incluindo um almoço coletivo preparado pelo Quilombo Urbano. Às 14h, as participantes seguem em cortejo até a Praça Coronel Pedro Osório, com encerramento no Largo Berê Fuhro Solto. Em caso de chuva, a programação será mantida como atividade interna no próprio Mercado Central. "É um gesto simbólico e político. Não esperamos milhares de pessoas, mas não vamos deixar de ocupar o centro da cidade. Pelotas precisa saber que estamos aqui."
A marcha é parte de uma mobilização estadual e nacional rumo à Marcha Nacional das Mulheres Negras, marcada para novembro em Brasília. Vários municípios gaúchos estão realizando suas pré-marchas locais, conectadas por meio de um comitê estadual que organiza a delegação rumo à capital federal. "É uma construção em rede. Cada cidade fortalece sua base e contribui para o todo. Estamos articuladas, e isso nos fortalece."
Além da presença física nas ruas, a marcha carrega em si as múltiplas vozes das mulheres negras organizadas em suas comunidades. Eva destaca que muitas delas enfrentam condições duras de trabalho e invisibilidade cotidiana. "Há mulheres negras organizando a creche comunitária, a horta do bairro, o cuidado coletivo. Mas nem sempre isso é visto como política. Nós dizemos: é sim. Isso é política, é resistência e é potência."
Entre os temas que estarão visíveis nos cartazes e falas da marcha estão a justiça climática, o direito ao território, a denúncia da violência institucional e o direito à vida com dignidade. Eva reforça: "Queremos que as pessoas levem suas cores, seus cartazes, suas palavras. O que importa é contar o que estamos fazendo. Muitas vezes, a luta está acontecendo e ninguém sabe. A marcha é o lugar para isso aparecer."
Serviço
Conferência Livre das Mulheres Negras de Pelotas
Data: sexta-feira, 25
Horário: 15h às 19h
Local: Clube Cultural Negro Chove Não Molha (Rua Benjamin Constant, nº 2118)
Descrição: Encontro com o tema "Políticas Reparatórias", com escuta coletiva, construção de propostas e eleição de representantes para a Conferência Nacional das Mulheres
Gratuito
Inscrições: via formulário nas redes sociais do GAMP e do GIM
Instagram: @gampfeminista e @gimmn_pelotas
Marcha das Mulheres Negras de Pelotas
Data: sábado, 26 de julho
Horário: 11h às 14h (saída da marcha às 14h)
Local: Concentração na sala 79 do Mercado Central e caminhada até a Praça Coronel Pedro Osório
Descrição: Ato público simbólico, com cortejo, cartazes, falas e partilha coletiva. Parte da mobilização estadual e nacional rumo à Marcha Nacional das Mulheres Negras. Em caso de chuva, a atividade será mantida como programação interna no Mercado Central.
Gratuito
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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