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Contraponto: A nova composição da Câmara de Pelotas e os desafios do campo progressista
As eleições municipais de 2024 trouxeram um cenário de mudanças importantes, tanto em nível local quanto nacional, e revelaram nuances significativas no desempenho dos partidos, especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT). Com 248 prefeituras conquistadas, o PT ampliou sua presença em cidades pequenas e médias, mas enfrentou desafios em capitais e grandes centros urbanos, destacando uma polarização política crescente no país. No Rio Grande do Sul, o partido teve vitórias expressivas em cidades como Rio Grande, Bagé e São Lourenço do Sul, embora o desempenho nas capitais, como Pelotas, tenha exigido segundo turno.
Entre os eleitos, Ivan Duarte (PT), ex-presidente do Partido dos Trabalhadores em Pelotas, retorna à Câmara Municipal após oito anos fora do parlamento. Enfrentando um cenário de transformações globais, como o avanço tecnológico e o crescimento da extrema-direita, Duarte destaca as dificuldades enfrentadas durante a campanha, especialmente no financiamento público limitado e na adaptação ao uso das redes sociais. Mesmo com essas barreiras, ele garantiu sua eleição, mas a surpresa foi a federação eleger apenas três vereadores, abaixo das expectativas iniciais.
Nesta entrevista, concedida ao programa Contraponto na última quarta-feira (09), Ivan Duarte reflete sobre o impacto dessas transformações no cenário local e nacional. Ele aborda os desafios de manter uma representação progressista em uma Câmara com forte presença da direita, além de discutir o papel crucial da organização e conscientização popular diante das forças que ameaçam a democracia e os direitos conquistados pela classe trabalhadora.
RádioCom: Como você avalia o contexto político da sua volta à Câmara Municipal?
Ivan Duarte: Estamos vivendo um momento muito complexo da humanidade, cheio de surpresas e desafios, e é com esse espírito que retorno à Câmara, em um cenário bem diferente de quatro anos atrás. As mudanças foram impressionantes. A velocidade da tecnologia, por exemplo, foi um dos fatores mais marcantes. Há quatro anos, a inteligência artificial era um conceito desconhecido para a maioria. Além disso, estamos vivendo um crescimento preocupante da extrema-direita em todo o mundo, algo que ninguém esperava. A guerra na Palestina, que na verdade é um massacre, reflete essas transformações globais. O que vemos hoje é uma mudança de era, não apenas uma era de mudanças.
RádioCom: E quais foram os principais desafios que você enfrentou durante a campanha eleitoral?
Ivan Duarte: Foi uma campanha difícil. O financiamento público foi muito pequeno, o que limitou nossa estrutura de campanha. Por exemplo, eu quase não tinha materiais visuais nas ruas e o comitê consumiu boa parte dos recursos. Além disso, estive fora da Câmara por oito anos, o que me desconectou de alguns movimentos organizados. Outro desafio foi adaptar-me ao mundo digital. Nunca tive Instagram, mas percebi que, hoje, essa é uma ferramenta essencial para alcançar o eleitorado. Mesmo com essas dificuldades, conseguimos um bom retorno nas redes sociais, o que ajudou bastante.
RádioCom: Você mencionou surpresas na apuração dos votos. Como foi o desempenho dos candidatos do PT?
Ivan Duarte: A votação de alguns candidatos surpreendeu. Por exemplo, esperávamos eleger quatro vereadores pela federação, mas conseguimos apenas três. Também subestimamos o desempenho de alguns candidatos e superestimamos o de outros. No geral, foi uma eleição cheia de surpresas, mas conseguimos garantir nossa presença na Câmara, com três cadeiras pela federação e um mandato renovado.
RádioCom: Como você avalia a composição da nova Câmara Municipal?
Ivan Duarte: A Câmara terá uma renovação significativa, com oito novos vereadores. No entanto, entre esses novos, apenas eu sou do campo progressista. Isso demonstra o quanto precisamos trabalhar para fortalecer nossa base e disputar os espaços de poder. Mesmo assim, é um novo mandato e estou confiante de que podemos avançar nas pautas que defendemos.
RádioCom: E a partir dessa composição, caso Marroni confirme a vitória, como lidará com o Poder Legislativo?
Ivan Duarte: Tem que negociar. Mas esse é o sistema brasileiro, não é? Não é um sistema nominal, é um sistema partidário. No Brasil, infelizmente, desgraçadamente, eu diria, essa é a maior reforma necessária: a reforma eleitoral. No Uruguai, por exemplo, tu vota numa lista fechada, não precisa saber se é o André, a Clarissa, o Ivan. Tu vota nas ideias. O SUS vai ser assim, o sistema de transporte vai ser assado, nós pensamos isso da economia, da educação, do ensino público e privado. Tu vota em ideias, não em pessoas.
RádioCom: E como tu enxerga a relação entre essa falta de identificação com ideias e a formação do eleitorado? A forma como o brasileiro vota reflete essa desinformação?
Ivan Duarte: Exatamente. Aqui, tu vai pra TV nas eleições e vê 300 pessoas em 10 segundos dizendo "eu sou fulano e gosto disso e daquilo". Como é que alguém vai entender as ideias dessas pessoas? Como é que o Seu Zé, a Dona Maria, que estão assistindo televisão ou ouvindo rádio, vão saber em quem estão votando? A maioria não tem tempo de conhecer as propostas. Vota-se, muitas vezes, sem saber nem o que aquele candidato defende, porque o sistema de representação é distorcido.
RádioCom: Então, para ti, isso contribui para a desilusão política que vemos hoje?
Ivan Duarte: Sem dúvida. O eleitorado vota por outros critérios. "Ah, porque ele gosta do mesmo time de futebol que eu", ou "é meu vizinho". E muitos nem sabem que votam num candidato e acabam ajudando a eleger outro por causa do sistema de cálculo. A imensa maioria dos eleitores não entende como isso funciona. O resultado é que a representatividade acaba ficando muito fraca.
RádioCom: E no caso das abstenções e votos nulos, isso também reflete essa desilusão?
Ivan Duarte: Sim, é parte disso. Aqui em Pelotas, por exemplo, tivemos quase 30% entre abstenções, nulos e brancos. A abstenção foi de 24%, e somando com nulos e brancos, chegou a 30%. Historicamente, esse número tem crescido. E isso reflete um eleitorado que, muitas vezes, vota porque é obrigatório, mas não sente que está sendo representado. E a verdade é que muitos vereadores eleitos não representam as ideias das pessoas que votaram neles. É um sistema que precisa de mudança, e isso passa pela reforma eleitoral.
RádioCom: O PT obteve um crescimento importante no número de prefeituras, passando de 183 para 248. É um avanço notável, mas esse crescimento foi mais expressivo em cidades menores e médias. Como você vê essa situação de reconquistar prefeituras em lugares estratégicos como Rio Grande, Bagé e São Lourenço, mas enfrentar desafios em capitais e cidades maiores?
Ivan Duarte: Esse avanço é significativo, principalmente pela retomada de prefeituras que já foram administradas pelo PT. Em cidades como Rio Grande, Bagé e São Lourenço, o partido conseguiu reconquistar espaços importantes, o que fortalece a presença regional. No entanto, o cenário em capitais e grandes cidades ainda é desafiador, onde a disputa é mais acirrada, e o partido tem encontrado dificuldade em se manter ou crescer.
RádioCom: Em Santa Maria, por exemplo, o candidato Valdeci Oliveira, do PT, conseguiu chegar ao segundo turno com uma vantagem considerável de 40,63%, enquanto o concorrente do PSDB, Rodrigo Decimo, ficou com 25,86%. Em Pelotas, Fernando Marroni também está bem posicionado, com 39,60%, e vai disputar o segundo turno contra o candidato do PL. Essas duas cidades são representativas. Qual é o significado dessas conquistas no contexto do PT no estado e nacionalmente?
Ivan Duarte: Santa Maria e Pelotas são cidades estratégicas para o PT no Rio Grande do Sul. Se o partido conseguir a vitória em ambas, especialmente em Pelotas, onde Marroni já foi prefeito, isso vai consolidar um avanço importante na região. Essas vitórias podem simbolizar uma resistência do PT em áreas urbanas de médio porte e fortalecer a atuação do partido no estado, ainda que em capitais o cenário tenha sido menos favorável.
RádioCom: Por outro lado, alguns analistas acreditam que, mesmo com esse crescimento em número de prefeituras e vereadores, a situação geral do PT ainda não é completamente otimista. O que você pensa sobre essa avaliação mais pessimista, principalmente com relação à polarização política que continua marcando o cenário atual?
Ivan Duarte: A polarização entre o PT e partidos mais à direita, como o PL, continua muito presente. Essa divisão que já se cristalizou nas eleições presidenciais entre Lula e Bolsonaro ainda se reflete nas municipais. O PT conseguiu aumentar o número de prefeituras, mas em cidades grandes ou capitais, o desempenho não foi tão positivo quanto se esperava. Então, o otimismo ou pessimismo depende muito do ponto de vista. A nível nacional, o partido ainda é uma grande força, mas em certos contextos, a avaliação é mais cautelosa, especialmente quando comparada à expectativa inicial de crescimento em grandes centros. Esse fenômeno cria um contraste importante e pode indicar que, embora o PT mantenha sua relevância em muitas áreas, precisa reforçar sua estratégia para grandes cidades, onde a disputa se torna mais difícil. Isso certamente terá um impacto nas futuras eleições, tanto locais quanto nacionais, e o partido terá que trabalhar para reconquistar esse eleitorado mais urbano e central.
*Você confere a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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