Contraponto: Comunidades de terreiro celebram Bará no dia 13 e reafirmam sua história
Contraponto: Crise política escancara descompasso entre Executivo e Legislativo na gestão de emendas
Em meio a uma crise política que vem crescendo nos últimos meses, uma decisão judicial recente - e provisória - trouxe novos elementos à cena política de Pelotas. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) concedeu liminar que suspende a obrigatoriedade de execução das emendas impositivas à saúde no primeiro semestre. A medida atendeu à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Prefeitura, que alegou violação ao princípio da separação dos poderes e à autonomia administrativa.
Durante entrevista ao programa Contraponto da RádioCom 104.5 FM, o vereador Jurandir Silva (PSOL), líder do governo na Câmara Municipal, comentou os desdobramentos da decisão. Jurandir explicou o contexto da ação judicial, avaliou os desafios para a execução das emendas e respondeu às críticas da oposição, que chegou a aventar a abertura de um processo de impeachment contra o prefeito Fernando Marroni (PT).
Um salto gigantesco: o aumento estelar das emendas impositivas
Jurandir Silva detalhou o crescimento expressivo das emendas impositivas em Pelotas desde sua criação em 2021. Inicialmente, o valor total era de aproximadamente R$ 6,3 milhões. Contudo, com alterações na Lei Orgânica, como o aumento do valor individual por vereador e a introdução de emendas de bancada, o orçamento saltou para mais de R$ 41 milhões em 2025.
"Passamos de 6 para 41 milhões em poucos anos. Esse aumento não veio acompanhado da preparação necessária da máquina pública para gerir essa quantidade de recursos e projetos", destacou Jurandir. Segundo ele, a ampliação no número de emendas — 496 apenas neste ano — trouxe desafios operacionais enormes.
O vereador argumentou que, sem a estrutura adequada e sem um amadurecimento do processo, o volume de demandas geradas compromete a eficiência da execução orçamentária. "A cidade não se preparou para esse salto. Isso torna a execução das emendas um desafio quase intransponível dentro dos prazos estabelecidos", frisou.
Liminar, separação dos poderes e planejamento financeiro
Jurandir destacou que o crescimento abrupto dos recursos e a determinação para que as emendas à saúde fossem pagas até 30 de junho tornaram inviável o cumprimento integral do cronograma. "Estamos falando de 496 emendas neste ano, o que exige um grau de burocracia e planejamento que o sistema ainda não comporta", argumentou.
Para ilustrar a complexidade do processo, Jurandir fez uma analogia: "Não é como dar cem reais para alguém comprar suco de laranja na feira. Quando se trata de dinheiro público, cada compra precisa passar por licitação, tomadas de preço, e qualquer erro ou ausência de documentação pode travar o processo por dias".
Segundo Jurandir, a decisão do TJ-RS foi uma medida de segurança jurídica. "A Prefeitura não está se recusando a pagar as emendas; pelo contrário, estamos trabalhando para honrar todos os compromissos. A liminar apenas evita que problemas burocráticos pontuais gerem consequências políticas extremas, como a ameaça de impeachment", explicou.
Despreparo público: uma estrutura frágil para grandes desafios
Outro ponto crucial levantado pelo vereador é o despreparo da cidade para estruturar um processo claro e efetivo para as emendas: da identificação das necessidades da população à formulação de prioridades, elaboração de propostas, execução e monitoramento.
Jurandir enfatizou que muitos parlamentares apresentam emendas sem articulação com a gestão pública e sem planejamento detalhado, o que gera uma execução fragmentada e ineficaz. "Precisamos de um sistema que envolva a sociedade, que defina prioridades com base em dados reais e que garanta execução eficiente e monitoramento contínuo", afirmou.
Ele citou como exemplo a tentativa de direcionar recursos para reformas em unidades básicas de saúde: "Por exemplo, nós temos sete unidades básicas de saúde que estão em piores condições. O adequado talvez fosse que o Executivo listasse essas unidades e disponibilizasse aos vereadores, que então poderiam destinar suas emendas com base nessa lista. Assim, garantiríamos que as emendas fossem aplicadas onde há maior necessidade", explicou.
O vereador defendeu a ampliação dos mecanismos de participação popular e maior transparência na elaboração e execução das emendas. "A discussão não é apenas sobre pagar ou não pagar. É sobre como garantir que o recurso público seja bem aplicado e tenha impacto real na vida da população", concluiu.
Tensionamentos políticos e ameaça de impeachment
Questionado sobre as reações da oposição, Jurandir foi direto: "A oposição tem direito de criticar e fiscalizar, mas é preciso responsabilidade. Falar em impeachment com base em atrasos burocráticos é desonesto com a população".
Ele destacou que as emendas são instrumentos legítimos, mas lembrou que muitas vezes são apresentadas sem o devido planejamento, o que resulta em dificuldades para a execução. "Há casos em que o valor destinado não é suficiente para a execução da proposta, exigindo correções burocráticas que tomam tempo e esforço", explicou.
Apesar da minoria do governo na Câmara — apenas quatro vereadores aliados em um total de 21 parlamentares —, Jurandir acredita que o Executivo tem conseguido manter a estabilidade através do diálogo e da articulação política. "Sabemos que o cenário é turbulento, mas seguimos confiantes na nossa capacidade de construir consensos", afirmou.
Críticas e contrapontos da oposição
Na manhã de quinta-feira, 29, o repórter Lorenzo Bononi esteve na Câmara de Vereadores e conversou com alguns parlamentares sobre o tema.
As críticas da oposição foram duras. O vereador Marcelo Bagé (PL) afirmou que "a decisão judicial não se discute, se cumpre", mas criticou o prefeito Fernando Marroni por, segundo ele, desrespeitar o parlamento e agir nos bastidores para retardar o pagamento das emendas. "A saúde de Pelotas está agonizando e nossa função enquanto oposição é cobrar", disse.
Cauê Fuhro Souto (PV) também lamentou a liminar: "A saúde está em situação crítica e isso parece mais uma disputa política do que uma preocupação com a população". Para ele, a Prefeitura deveria priorizar a execução das emendas, principalmente as destinadas à compra de medicamentos oncológicos.
Por outro lado, parlamentares da base aliada, como Ronaldo Quadrado (PT) e Ivan Duarte (PT), defenderam a medida. "A execução orçamentária deve ser responsabilidade do Executivo. A obrigatoriedade de pagamento em prazo fixo compromete a autonomia administrativa e financeira", ressaltou Ivan.
Emendas, saúde pública e desafio financeiro
Jurandir reafirmou o compromisso do governo em pagar todas as emendas destinadas à saúde ainda este ano. Contudo, ressaltou que atrasos podem ocorrer devido à complexidade dos processos de liberação dos recursos.
Ele também criticou o aumento acelerado no volume de recursos, questionando se a cidade está realmente preparada para lidar com esses montantes. "A saúde enfrenta problemas estruturais há anos. As emendas são importantes, mas não resolvem sozinhas um sistema tão deficiente", ponderou.
Jurandir defendeu a adoção de instrumentos como as emendas participativas, onde a população possa opinar diretamente na destinação dos recursos públicos. "Precisamos democratizar o processo e planejar melhor o uso do dinheiro público", completou.
A proposta de maior participação popular na destinação dos recursos também foi defendida pelo vereador Ronaldo Quadrado (PT), que destacou ao repórter Lorenzo Bononi a importância de construir as emendas por meio de plenárias comunitárias: "Queremos que as indicações de emendas sejam feitas com base na vontade popular, discutidas em plenárias nas zonas urbana e rural".
Por fim, Jurandir defendeu que o debate sobre a estrutura das emendas deve ser ampliado. "Precisamos repensar se a cidade está preparada para lidar com um volume tão grande de emendas. A revisão dos valores e a ampliação dos mecanismos de fiscalização popular são debates que precisam ser enfrentados", concluiu.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
0 comentários
Adicionar Comentário