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Contraponto: Violência obstétrica precisa ser nomeada para ser combatida, defendem especialistas

Contraponto: Violência obstétrica precisa ser nomeada para ser combatida, defendem especialistas

A urgência de nomear e enfrentar a violência obstétrica

A violência obstétrica, prática muitas vezes invisível e naturalizada no cotidiano de mulheres brasileiras, voltou à pauta na cidade após uma ação da Secretaria de Saúde municipal ser contestada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers). Em meio à polêmica, especialistas defendem que dar nome às agressões é um passo fundamental para combater abusos que afetam profundamente a saúde física e mental de gestantes e parturientes.

O programa Contraponto da RádioCom Pelotas recebeu Marina Mota, professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e Simone Pereira, enfermeira obstetra, para discutir o conceito de violência obstétrica e suas implicações. Elas defenderam a importância do termo como ferramenta essencial na promoção de um atendimento mais humanizado e respeitoso.

O que é violência obstétrica?

Violência obstétrica é uma expressão usada para descrever práticas abusivas, muitas vezes banalizadas, que ocorrem durante o pré-natal, o parto e o pós-parto. Marina Mota explica que essas práticas vão desde humilhações verbais, impedimento de alimentação e hidratação durante o trabalho de parto, até a recusa em permitir a presença de um acompanhante. "Nomear como violência obstétrica é dar visibilidade a um problema estrutural e propor mudanças efetivas", afirma.

Simone Pereira destaca que a violência obstétrica não ocorre apenas durante o parto, mas em toda a jornada da mulher no ciclo gravídico-puerperal. "Ao não permitir que a mulher tenha autonomia sobre seu corpo e suas escolhas, se perpetua uma cultura de desrespeito", alerta. Ela também sublinha a importância de reconhecer esses abusos para embasar pesquisas e formular políticas de prevenção.

A defesa do uso do termo está ancorada em documentos de órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e nacionais como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que reconhecem a existência e a gravidade do fenômeno.

Cremers contesta a expressão: polêmica instalada

O Cremers notificou a Secretaria de Saúde de Pelotas, alegando que o termo "violência obstétrica" seria inadequado e ofensivo à classe médica. Em nota, o Conselho argumenta que a expressão estimula o conflito entre pacientes e médicos e que a maioria dos profissionais atua com ética e respeito.

Para Marina, a resistência ao termo reflete desconfortos compreensíveis, mas não deve impedir o avanço das discussões. "Mudanças são desconfortáveis. Reconhecer o problema é o primeiro passo para avançarmos", afirmou. Simone acrescenta que envolver a sociedade civil e lideranças comunitárias é essencial para construir pontes entre usuários e profissionais de saúde.

As especialistas também destacaram que a violência obstétrica não é praticada apenas por médicos, mas pode partir de qualquer profissional envolvido na atenção à saúde da mulher, como enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos.

As consequências invisíveis: impacto na saúde mental

A violência obstétrica não deixa apenas marcas físicas. Simone Pereira alerta para as graves repercussões na saúde mental das vítimas, como o aumento do risco de depressão pós-parto e transtorno de estresse pós-traumático. "É chocante constatar que o trauma do parto violento pode ser comparado a traumas de guerra", pontua.

Ela observa que muitas mulheres não percebem de imediato que sofreram uma violência, o que dificulta o reconhecimento e o tratamento adequado. "A educação em saúde é fundamental para que essas mulheres compreendam seus direitos e saibam identificar abusos", completa Marina.

Formar profissionais preparados para oferecer um atendimento respeitoso é outra prioridade apontada pelas entrevistadas. "A mudança começa na formação e na prática institucional", reforça Marina.

Caminhos para a prevenção e o protagonismo feminino

Para prevenir a violência obstétrica, é preciso fortalecer a atuação da equipe multiprofissional e colocar a mulher no centro do cuidado. "Planejar o parto e educar a mulher sobre seus direitos são medidas fundamentais", afirma Simone. O plano de parto é uma das ferramentas recomendadas para garantir que as escolhas da mulher sejam respeitadas.

Além disso, Marina destaca a necessidade de reforço nas políticas públicas e na formação de profissionais como enfermeiros obstetras. "O protagonismo da mulher no parto é um resgate histórico e cultural que precisa ser defendido", afirma. 

As entrevistadas também convidaram o público a participar do evento "Negritude em Pauta", que ocorrerá nos dias 7, 8 e 9 de agosto, abordando temas como o partejar tradicional e o resgate das ancestralidades.


*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.


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