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Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam crescimento de 9,8% em caso de violência contra mulher

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam crescimento de 9,8% em caso de violência contra mulher

Eva Santos, diretora executiva do Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (GAMP), fala sobre a importância do Agosto Lilás, uma campanha que, desde 2016, busca intensificar a luta contra a violência doméstica e familiar, e conscientizar a sociedade sobre a gravidade dessa questão.

Agosto não é apenas mais um mês no calendário; ele simboliza uma luta contínua pela proteção e dignidade das mulheres no Brasil. A escolha de agosto para ser o mês de conscientização contra a violência doméstica e familiar não é aleatória. O mês foi selecionado em referência à sanção da Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006, um marco decisivo no combate à violência contra a mulher no País.

A campanha foi instituída pela Lei Estadual nº 4.969/2016, e vai além da simples divulgação da Lei Maria da Penha. Seu objetivo é educar a sociedade sobre os serviços especializados disponíveis para mulheres em situação de violência e divulgar os canais de denúncia, que muitas vezes são subutilizados por falta de informação.

Segundo Eva Santos, diretora executiva do GAMP, a organização tem sido fundamental na disseminação dessas informações em Pelotas. O GAMP organiza palestras, rodas de conversa e eventos que não apenas informam, mas também questionam a eficácia das políticas públicas de proteção às mulheres. As ações do GAMP e de outras instituições similares são essenciais, mas ainda enfrentam a resistência de uma sociedade que, muitas vezes, minimiza ou ignora a gravidade do problema.

Em entrevista ao programa Contraponto da RádioCom 104.5 FM, Eva Santos comentou sobre os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022-2023, divulgados em julho deste ano. Segundo o anuário, as agressões em contexto de violência doméstica aumentaram 9,8% em relação a 2022, com cerca de 258.941 mulheres vítimas de algum tipo de violência. O aumento dos registros de violência psicológica também é alarmante, com 38.507 mulheres denunciando abusos, representando 33,8% da população feminina do Brasil. Ainda de acordo com o anuário, no ano de 2023 foram 1.467 mulheres vítimas de feminicídio, o maior número já registrado desde que a lei foi criada.

Isabella Matosinhos, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, declara sua percepção sobre os dados no anuário: “E algo que existe em comum em praticamente todas essas teorias é a noção de que a violência contra a mulher foi naturalizada na sociedade. A tal ponto que os dados que trazemos aqui não exaurem o fenômeno. Significa, em outras palavras, que a quantidade de violência que os registros policiais, os acionamentos da PM e as medidas protetivas do Judiciário conseguem acessar é uma parte do fenômeno, e somente isso. Existe uma parcela da violência que não entra nas estatísticas oficiais, por razões diversas como desconfiança nas instituições, fatores psicológicos como medo e culpa, burocracia e dificuldade do acesso a serviços, entre outros (Campos, 2015). Dentro dessa fatia que não é contabilizada em números oficiais, existe ainda, em uma outra camada de complexidade, a violência que não é percebida como tal, mas que nem por isso deixa de ser menos real.”

A normalização da violência surge como uma rachadura em uma parede que, com o tempo, se torna tão familiar que acabamos por ignorá-la. Ao deixar de lado essa rachadura, ela se expande, fragilizando a estrutura até o ponto de colapso. Do mesmo modo, quando a sociedade começa a aceitar o aumento da violência como algo comum, estamos ignorando o perigo iminente de um colapso social, onde o que antes era inaceitável se torna a norma. É essencial conscientizar a população antes que a estrutura social passe a aceitar a violência como parte da vida e permitir que ela continue a crescer e a corroer os alicerces da nossa sociedade.

É fundamental adotar um olhar crítico sobre a temática da violência contra a mulher e expandir essa reflexão para além do mês de agosto. Pensar sobre a violência contra a mulher deve ser um exercício contínuo, especialmente considerando que, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, a população brasileira é composta majoritariamente por cerca de 104,5 milhões de mulheres e apenas 98,5 milhões de homens.

A violência doméstica não se resume à realidade, ela também é retratada na ficção, e é importante compreender como essas produções ajudam a entender o que é considerado violência doméstica e familiar. O livro "É Assim Que Acaba", por exemplo, ilustra de forma intensa o ciclo vicioso da violência doméstica, mostrando como a protagonista, Lily Bloom, mesmo após crescer em um ambiente abusivo, e se questionar ao longo da vida o motivo da mãe não ter largado o ambiente tóxico, acaba se envolvendo em um relacionamento onde sofre violência física e psicológica. Essa obra é utilizada para explicar aos leitores que a violência doméstica não é apenas um problema do presente, mas muitas vezes tem raízes no passado das vítimas.

No livro, há uma crítica implícita à ideia de que a vítima é culpada por não deixar o agressor, uma visão comum entre muitas pessoas. A verdade, porém, é que sair de um relacionamento abusivo é extremamente difícil quando não se tem uma rede de apoio e quando o problema só se torna visível à sociedade no momento em que se julga a vítima, reforçando a ideia equivocada de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Não se pode julgar as escolhas das vítimas, mas sim entender as dificuldades que enfrentam e oferecer o apoio adequado quando necessário.

Uma leitura, palestra ou roda de conversa pode ajudar a compreender as nuances emocionais e psicológicas envolvidas em relacionamentos abusivos, incentivando as pessoas a refletirem sobre a realidade das vítimas e a necessidade de apoio e intervenção eficazes. É por isso que a existência do Agosto Lilás é tão importante; ao abrir a porta para entender essas situações, estamos permitindo a entrada da luz em um quarto escuro, possibilitando que o primeiro passo rumo à saída do ambiente abusivo seja dado.

Redação: Luísa Brito

Dados do https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/07/anuario-2024.pdf



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