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Daniel Amaro denuncia abandono da cultura em Pelotas: “Encontramos a Secult em caos”

Daniel Amaro denuncia abandono da cultura em Pelotas: “Encontramos a Secult em caos”

Em tom de denúncia e compromisso, o diretor de manifestações populares da Secretaria de Cultura de Pelotas, Daniel Amaro, revelou os desafios enfrentados pela atual gestão cultural do município. Em entrevista ao programa Contraponto, Daniel expôs o estado precário em que encontrou a Secult ao assumir o cargo: prédios deteriorados, ausência de funcionários, editais atrasados e dívidas herdadas de gestões anteriores.

A entrevista, realizada na quarta-feira, 23 de abril, também contou com a participação de Carlos Mattozo, presidente do Museu do Percurso do Negro. Embora a pauta inicial fosse a abertura da exposição em homenagem ao histórico Rei Momo Jorge Ari, o encontro se transformou em um mergulho nas carências estruturais, políticas e históricas da cultura pelotense.

Cultura em reconstrução: desafios herdados e ações emergenciais

Ao assumir o cargo em janeiro de 2024, Daniel Amaro relata ter encontrado a Secretaria de Cultura abandonada, tanto fisicamente quanto institucionalmente. “Não era só abrir uma janela e ela cair. Faltavam funcionários, faltavam políticas públicas, e as contas estavam todas atrasadas”, desabafou. Segundo ele, a equipe precisou pagar débitos referentes a serviços prestados em 2023, ao mesmo tempo em que estruturava os primeiros projetos do novo mandato.

Apesar das dificuldades, Daniel e sua equipe conseguiram agilizar processos e evitar a perda de recursos fundamentais. Em quatro meses, lançaram editais como o da PNAB, que poderia comprometer até oito milhões de reais em investimentos culturais se não fosse executado até junho. “O que deveria levar 12 meses, fizemos em quatro. Foi uma verdadeira corrida contra o tempo”, destacou.

A situação crítica se estende também aos equipamentos culturais. Espaços como a Praça CEU e o 7 de Abril estavam fechados ou deteriorados. “Se os equipamentos estão assim, imagina a situação dos artistas que dependem deles para sobreviver”, alertou Daniel.

A memória de Jorge Ari como símbolo do carnaval e da cultura negra

A exposição que homenageia Jorge Ari surgiu a partir de uma pasta de documentos e fotos entregue por sua irmã a Carlos Mattozo. O material, considerado de valor inestimável, deu origem à ideia de montar uma mostra com curadoria do CoLab (Laboratório de Museologia Colaborativa da UFPel), coordenado pela professora Rita Juliana.

“Jorge Ari era a própria representação da alegria e da negritude no carnaval. Mesmo de chinelo e bermuda, ele era o Rei Momo”, lembrou Mattozo. Além de enaltecer a trajetória do homenageado, a exposição também busca lançar as bases para a criação de um espaço permanente dedicado à cultura negra e ao carnaval em Pelotas.

Exposição como ponto de partida para centro cultural

A exposição dedicada a Jorge Ari é mais do que uma homenagem: é um projeto piloto que pode transformar a relação da cidade com sua memória cultural. A ideia, segundo Daniel Amaro e Carlos Mattozo, é utilizar esse primeiro passo como base para a criação de um centro de referência da cultura negra em Pelotas, com foco no carnaval, mas também aberto a outras expressões da identidade afro-pelotense.

Carlos Mattozo explicou que a mostra tem uma segunda intenção: "Ela flerta com a proposta de um museu, mas o que se quer é algo maior — um espaço permanente, vivo e acessível, que registre, valorize e propague a cultura negra da cidade.” A iniciativa vem em um momento simbólico, já que Jorge Ari foi muito mais do que um personagem do carnaval. “Ele representava a alegria, o orgulho e a presença negra nas festas populares da cidade”, reforçou Mattozo.

A mobilização para montar a exposição envolveu a comunidade e especialistas da UFPel, por meio do CoLab, e contou com doações de materiais, como fantasias e fotos. A equipe conseguiu montar a mostra em tempo recorde. Para Daniel Amaro, foi um esforço coletivo emocionante: “Foi feito com carinho e respeito. Um mês para montar algo assim é insano, mas foi feito, e ficou lindo. É só o começo.”

Cultura periférica e disputa de narrativas

A proposta do centro cultural e da própria exposição vai ao encontro de uma preocupação maior: a necessidade de ampliar a visibilidade das culturas produzidas nas periferias. Tanto Daniel quanto Carlos destacaram que há uma produção cultural pulsante fora do eixo central da cidade — nas vilas, nos bairros, nas escolas. Mas, muitas vezes, essas manifestações ficam à margem por falta de estrutura, apoio ou reconhecimento institucional.

“O poder público não precisa levar cultura para a periferia. A cultura já está lá. O que falta é estrutura para ela se expressar”, afirmou Mattozo. Ele defende que políticas públicas precisam fortalecer o que já existe nos territórios: grupos musicais, coletivos artísticos, rodas de samba, danças, manifestações religiosas. “Coloca um palco com som num bairro e tu vais ver a arte acontecer. Eles só precisam ser vistos.”

Essa descentralização é também uma disputa de narrativa, como afirmou Daniel: “A história oficial de Pelotas apaga a presença negra, e o que estamos fazendo é resgatar essa verdade. Não queremos reescrever os livros, mas queremos o direito de escrever o nosso capítulo.” A fala foi recebida com emoção e reforça o compromisso em valorizar o patrimônio imaterial das comunidades negras de Pelotas.

Parcerias e planejamento futuro

Mesmo em meio ao caos herdado, a equipe da Secult está mobilizada para estruturar projetos e buscar recursos. Daniel compartilhou que tem mantido reuniões com parlamentares em busca de emendas e apoios para iniciativas como o “Foco na Área” e o “277 nos Bairros”, projetos que têm como meta levar arte e cultura para regiões muitas vezes esquecidas da cidade. “Eu sou da Castilho e sei o que é crescer sem acesso à cultura. Por isso, queremos atuar onde há maior necessidade”, afirmou.

Além das atividades previstas, a Secult pretende regulamentar o uso de espaços culturais por meio de editais transparentes. “Temos salas de exposição e equipamentos culturais parados há anos. Vamos criar um sistema justo para ocupar esses espaços, com participação do Conselho Municipal de Cultura”, explicou.

Conselho Municipal de Cultura: presença ativa na construção cultural de Pelotas

Durante a entrevista, tanto Daniel Amaro quanto Carlos Mattozo destacaram o papel fundamental do Conselho Municipal de Cultura (Concult) na manutenção e defesa das políticas culturais em Pelotas, especialmente nos períodos em que a gestão pública se ausentou dessas responsabilidades. “Se existiu algum braço que manteve a cultura viva até o ano passado, foi o Conselho”, afirmou Daniel.

A presidenta do Concult, Francisca Jesus (Chica), participou ativamente do programa por meio dos comentários no chat, reafirmando o compromisso do Conselho com a democratização da cultura e a luta por visibilidade. “O Conselho Municipal de Cultura tem trabalhado nessa perspectiva, embora com invisibilidade, mas seguimos lutando para manter esse trabalho”, escreveu Chica durante a transmissão.

Daniel ressaltou a importância do alinhamento com o Concult para garantir transparência, participação e continuidade nas ações culturais: “O Conselho é um braço do governo, mas também é um braço da sociedade civil. Sem ele, não teríamos acesso a recursos estaduais e federais”. Ele também mencionou que o órgão será parceiro na elaboração de editais para ocupação de espaços culturais, como as salas de exposição da cidade e a Praça CEU.

As metas da Secult e do Concult parecem caminhar juntas na busca por construir uma política pública de cultura com base no acesso, na memória e na dignidade. Daniel resumiu bem essa ideia: “Cultura, para mim, tem que ser como o SUS: gratuita e para todos. É dever do governo bancar cultura para quem não pode pagar”.

Serviço

Exposição em homenagem a Jorge Ari

Data e horário: De 23 de abril a 23 de maio, das 8h às 14h

Local: Sala de Exposições Antônio Caringe – Praça Coronel Pedro Osório, nº 2

Descrição: Exposição fotográfica e documental que homenageia Jorge Ari, figura histórica do carnaval pelotense, e propõe um espaço permanente de valorização da cultura negra.

Gratuito: Sim

Acesso: Livre, com assinatura de caderno de presença na entrada


Imagem: Ridley Madrid

*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.


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