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Deputada que pautou PEC que proíbe aborto legal atacou o sistema eleitoral
A deputada bolsonarista catarinense Caroline de Toni, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, foi uma das parlamentares do Partido Liberal que divulgou desinformação sobre a urna eletrônica e o sistema eleitoral em 2022.
Esse foi um dos passos encampados pelo núcleo golpista da gestão Jair Bolsonaro, segundo o relatório da Polícia Federal que indiciou, além do ex-presidente, outros 36 comparsas. De Toni não é citada no documento que levantou a ação dos indiciados, mas é uma das deputadas que, pelo poder da comissão que preside, tem levantado a bandeira da anistia aos presos de 8 de janeiro.
No final de outubro, o presidente Arthur Lira criou uma comissão especial para a discussão do projeto de lei e reduziu o poder da extremista e dos membros da CCJ, mas o assunto ainda é tratado como prioridade por ela.
Além disso, Caroline de Toni manobrou com uma cortina de fumaça que estava pautada há várias sessões da CCJ e nublou, por um dia, a repercussão do relatório investigativo da PF: conseguiu pautar a discussão da Proposta de Emenda de Constituição, sugerida pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que proíbe o aborto em todos os casos, inclusive nos de estupro, risco de vida para a grávida e anencefalia no feto.
O poder conferido a De Toni era menor em novembro de 2022, quando ela sugeriu novas eleições e atentou contra o sistema eleitoral brasileiro em postagens nas suas redes sociais. “Apoiarei mais transparência nem que, para isso, seja necessário disputarmos novas eleições”, disse, um dia após uma coletiva convocada pelo presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, que é tratada como peça das articulações para o golpe de 2022 por parte da PF.
Descrédito ao sistema eleitoral
“Dentro do escopo para concretizar o golpe de Estado, a organização criminosa, por meio do Partido Liberal, apresentou no dia 22 de novembro de 2022, a ‘Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária’ perante o TSE com pedido de anulação dos votos computados pelas urnas fabricadas antes de 2020″, relatou a PF na investigação sobre o golpe.
Naquele dia e no dia seguinte, De Toni e parlamentares bolsonaristas foram incansáveis nas redes sociais defendendo a desinformação orquestrada pelo PL com o objetivo de descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro. Ela chegou a reproduzir trechos da coletiva como live e armazenou o conteúdo no seu Instagram, que está disponível mesmo após sucessivos desmentidos do Tribunal Superior Eleitoral.
“40% das urnas novas são auditáveis, as outras apresentaram incongruência. O tribunal tem que se manifestar e caso se verifique e se confirme, tem que validar as urnas auditadas, que dão vitória ao presidente Bolsonaro”, disse, em vídeo gravado ao lado do deputado Daniel Freitas, também do PL-SC. Ela ainda critica o jornalismo que chama de “totalmente parcial”, que questionou o ataque ao sistema eleitoral promovido pelo partido do ex-presidente em novembro de 2022.
O relatório da PF também indica as participações e o protagonismo de Alexandre Ramagem e do general Augusto Heleno nas tentativas de gerar dúvidas sobre o sistema eleitoral e sobre as urnas eletrônicas. Além disso, destaca a existência de um “grupo de malucos”, que difundia informações falsas sobre o tema. “O intento dessas ações clandestinas era desestabilizar o sistema eleitoral por meio de desinformação envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive de eventuais familiares”.
Em 22 de novembro, a coletiva do PL colocando dúvidas sobre o funcionamento da urna teve ampla repercussão nas redes bolsonaristas, mesmo sem qualquer compromisso com a verdade. O relatório da PF destaca ainda que o núcleo envolvido na construção dos documentos que embasaram a coletiva tinham “plena ciência de que os argumentos levantados sobre possíveis fraudes e vulnerabilidades nas urnas eletrônicas eram falsos”.
“Além disso, as mensagens demonstram que VALDEMAR COSTA NETO e JAIR BOLSONARO, não apenas tinham ciência da elaboração do relatório com dados falsos sobre as urnas eletrônicas, mas também foram os responsáveis por tomar a decisão de divulgar o conteúdo falso, que subsidiou a Representação Eleitoral do PL”, sustenta a investigação.
Na época, a representação do PL não só foi recusada pelo TSE, como foi alvo de uma multa de R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé. Segundo o tribunal, a legenda não apresentou “indícios e circunstâncias que justificassem a instauração de uma verificação extraordinária em urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno das Eleições 2022″. A decisão, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, também repercutiu nas redes de bolsonaristas.
As tentativas da organização criminosa golpista de atacar o sistema eleitoral brasileiro ocupam dezenas de páginas do relatório da PF. As urnas são citadas pelo menos 255 vezes no documento, tendo sido alvos permanentes das chamadas milícias digitais. “Os investigados ainda fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público-alvo, para dar uma falsa credibilidade às narrativas propagadas”, disse.
Reprováveis, mas não crimes
Na interpretação do professor do departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina da UFSC, Diego Nunes, embora os discursos disseminados por estes parlamentares durante a tentativa de golpe sejam reprováveis, não significa que sejam criminosos. Ele, que é organizador do livro “Crimes contra o Estado Democrático de Direito, Comentários à Lei 14.197/2021″, pela Editora DPlácido, considera que os conteúdos sejam circunstanciais.
“Não existe uma criminalização direta de fazer isso, apenas se você tem o problema da desinformação. Nesse caso específico, com relação a urnas e processo eleitoral, pela legislação eleitoral, talvez você pudesse ter alguma responsabilidade no dia do pleito”, explica.
Além disso, ele lembra que a mesma lei que baseia seus estudos tinha vetado, na época pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, um artigo que impediria comunicação enganosa em massa. Isso não se aplicaria a publicação de opinião em um perfil pessoal, mas sim a disseminação de uma “informação inverídica, como algumas dessas estão colocadas, para um grande número de pessoas”.
“Isso ainda não faz parte da legislação brasileira, está pendente de análise. Então, nesse sentido, para que houvesse implicação nos inquéritos, etc., teriam que verificar outras coisas, por exemplo, que esses parlamentares participassem de algum grupo, de WhatsApp, por exemplo”, complementa.
O professor lembra que, caso seja constatado, por exemplo, que estes parlamentares recebiam orientações do indiciado Mario Fernandes com relação ao que falar na CPI de 8 de janeiro, aí sim poderia haver algum tipo de implicação na investigação. Este foi um outro fato levantado pelo relatório da PF, que identificou arquivos com instruções de Fernandes sobre como parlamentares deveriam agir na comissão.
“Mas apenas com as postagens, me parece que não teria uma investigação específica. Elas estariam, a meu ver, ainda abarcadas pela imunidade parlamentar do artigo 53 da Constituição Federal, mas mesmo que não tivessem, você não tem um delito específico para aquele tipo de conduta”. O artigo 53 prevê que deputados e senadores sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal e só sejam presos quando houver flagrante, cometendo crimes inafiançáveis, e com autorização do Congresso.
Na última quarta-feira, 27 de novembro, De Toni compartilhou um discurso de Arthur Lira na Câmara em que este reforçou o direito à liberdade de palavras e manifestações feitas em plenário por parte dos parlamentares. “Parabéns, Lira, é essa atitude que esperamos dos presidentes das duas casas: que defendam veementemente as prerrogativas dos parlamentares”, escreveu, no X. De Toni foi procurada pela reportagem, mas não respondeu a mensagem enviada via e-mail até o fechamento da reportagem.
Fonte: ICL
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