O recente escândalo envolvendo descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS revela mais do que uma falha técnica ou administrativa: escancara uma estrutura frágil que permite a exploração dos mais vulneráveis. Em um cenário onde a tecnologia é apresentada como solução, milhões de pessoas idosas enfrentam dificuldades até mesmo para identificar se estão sendo lesadas.

No programa Edição da Manhã, a advogada previdenciária Elen Sampaio comentou sobre as recentes revelações de fraudes em descontos indevidos e a nova etapa de notificação e possível ressarcimento iniciada pelo INSS. Com vasta experiência na área, ela compartilhou relatos de vítimas e fez um alerta contundente sobre os riscos enfrentados por aposentados e pensionistas, especialmente diante da dependência crescente de plataformas digitais.

Descontos invisíveis e prejuízos reais

De acordo com Elen Sampaio, muitos beneficiários foram surpreendidos ao descobrir que sofriam descontos mensais de valores como R$30 ou R$40 sem saber a origem. “Às vezes a pessoa não percebe, porque o valor é pequeno. Mas esse valor faz toda a diferença em um salário mínimo”, apontou. A advogada explicou que essas deduções apareciam nos extratos como contribuições para associações fictícias, sem qualquer autorização formal dos aposentados.

A dificuldade de navegação nos aplicativos oficiais, como o Meu INSS, agrava o problema. “Nem todo mundo tem familiaridade com o aplicativo, muitos nem sabem como acessar. Isso acaba permitindo que os golpes passem despercebidos por anos”, destacou. Ela ainda enfatizou que a devolução desses valores não aconteceu até o momento (estão previstos para ocorrer a partir do dia 26), embora os descontos tenham sido paralisados após denúncias.

Tecnologia como barreira de acesso

A advogada ressaltou que o processo para verificar e contestar os descontos exige o uso do aplicativo Meu INSS, que por sua vez depende de um cadastro ativo no portal gov.br. “Há critérios rigorosos para criar ou recuperar senhas, como reconhecimento facial. Isso é um obstáculo para grande parte dos aposentados”, afirmou Elen. Para quem não conseguir acessar digitalmente, a única alternativa presencial oferecida pelo INSS é a recuperação da senha – todo o restante deve ser feito online ou pelo número 135.

Ainda assim, Elen orienta que os beneficiários verifiquem seus extratos mensais detalhadamente. “Dentro do aplicativo é possível acessar o histórico de descontos e ver mês a mês os valores subtraídos. Em casos comprovados, o ideal é informar que não autorizou, para que se inicie o processo de ressarcimento.”

Judicialização e riscos futuros

Sobre a possibilidade de buscar ressarcimento judicial, Elen explicou que, juridicamente, seria possível exigir a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente. “A Justiça reconhece esse direito em casos de cobranças indevidas. Mas é difícil prever como o Judiciário lidará com milhões de ações semelhantes. Isso pode sobrecarregar o sistema.”

Outro ponto de atenção é a inclusão de cláusulas abusivas em contratos de empréstimo, em que já aparece autorizada a contribuição para associações. “Isso é legal quando a pessoa assina, mas muitas vezes é feito sem que o aposentado compreenda o que está autorizando”, alertou. Ela recomendou cautela em empréstimos futuros, principalmente quando há ofertas tentadoras de renegociação ou prazos muito longos.

Alerta contra novos golpes

Com o avanço das notícias sobre devoluções, cresce também o risco de novos golpes. Elen chamou atenção para possíveis abordagens telefônicas ou links maliciosos prometendo acelerar o processo. “Todo o procedimento é feito exclusivamente pelo aplicativo. O governo não está entrando em contato por telefone ou mensagens. A orientação é nunca passar dados pessoais fora do aplicativo.”

Ela lembrou que golpes semelhantes surgiram em outras ocasiões envolvendo o INSS e que, historicamente, nem sempre os valores foram restituídos automaticamente. Por isso, reforçou a importância de atenção redobrada neste momento.

Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.