“Queremos lembrar que saúde mental é um direito, não um privilégio”
Edição da Manhã: Lei que proíbe celulares nas escolas gera polêmica entre educadores
Especialista aponta desafios na implementação da nova legislação e alerta para impactos na saúde pública e na educação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou na segunda-feira (13) a lei que proíbe os alunos de usarem telefones celulares ou outros aparelhos eletrônicos em escolas públicas e particulares - inclusive durante o recreio e os intervalos. A proibição vale para a educação infantil e os ensinos fundamental e médio. Só haverá permissão de uso dos aparelhos em condições especiais como em situações de estado de perigo; de necessidade ou caso de força maior; para garantir os direitos fundamentais; para fins estritamente pedagógicos; e para garantir acessibilidade, inclusão, e atender às condições de saúde do estudante.
Para o professor, pedagogo e educador popular Leonardo de Andrade, que participou do programa Edição da Manhã da RádioCom nesta quinta-feira (16/1), a lei reforça a proibição que já existia nas normas internas das escolas, proibindo o uso do celular por alunos, mas não resolve o problema. No seu entender, há a necessidade de um debate mais profundo, considerando a questão de saúde pública, especialmente a dependência que as crianças e adolescentes apresentam em relação ao celular - inclusive, gerando sintomas agudos de ansiedade sempre que são afastados do aparelho.
Proibição já existia, mas não era aplicada
Segundo Leonardo de Andrade, a proibição do uso de celulares já constava nos regimentos internos das escolas, mas a dificuldade de fiscalização tornava a regra ineficaz. “Cada vez mais alunos possuem celulares, e as gestões escolares não têm estrutura para fiscalizar e coibir o uso dentro das salas de aula”, explicou.
O especialista destacou que a nova lei reforça essa restrição, mas sem oferecer soluções para os problemas estruturais das escolas. “Temos turmas superlotadas, falta de professores e diretores sobrecarregados. Criar uma regra federal sem resolver essas questões apenas transfere a responsabilidade para os professores, que precisarão impor essa proibição em um ambiente já desafiador e às vezes ameaçador pelo risco de violência contra o professor”, alertou.
Tecnologia na educação exige debate mais amplo
Embora a lei permita o uso pedagógico dos celulares, Leonardo criticou a falta de um debate aprofundado sobre a inclusão da tecnologia na sala de aula. “Os professores poderiam utilizar o celular para ensinar a identificar fake news, pesquisar de forma crítica na internet e até trabalhar com inteligência artificial. Mas a realidade das escolas públicas, com infraestrutura precária e sem formação para os docentes nessa área, impede essa abordagem”, afirmou.
Ele também alertou para a necessidade de regulamentação clara sobre quando e como os dispositivos podem ser usados pedagogicamente. “Se essa decisão ficar apenas nas mãos do professor, a responsabilização recairá sobre ele, sem diretrizes adequadas”, pontuou.
Proibição pode gerar impactos na saúde mental
Outro ponto preocupante, segundo o educador, é o impacto da proibição abrupta na saúde mental dos estudantes. “Muitos alunos já demonstram sintomas de dependência tecnológica. Existem casos de crianças que apresentam crises de ansiedade e até reações físicas quando são afastadas do celular. Sem um acompanhamento adequado, essa proibição pode gerar problemas ainda mais graves”, alertou.
Leonardo mencionou estudos científicos que mostram a relação entre o uso excessivo de tecnologia e problemas como ansiedade, TDAH e dificuldades de aprendizado. Ele citou o exemplo da França, que além de regulamentar o uso de celulares, investe em centros de desintoxicação digital para ajudar crianças e adolescentes a desenvolverem uma relação mais saudável com a tecnologia.
Falta de estrutura pode dificultar a aplicação da lei
Outro desafio apontado pelo educador popular é a fiscalização do cumprimento da lei, especialmente nos intervalos e recreios. “Em muitas escolas municipais, a responsabilidade de supervisionar os alunos nesses momentos já é dos professores, devido à falta de funcionários específicos para essa função. Com a nova lei, eles também terão que policiar o uso de celulares, o que pode aumentar o risco de conflitos e violência dentro da escola”, afirmou.
Ele ressaltou que, sem um planejamento adequado, a regra pode acabar sendo ineficaz. “A escola não pode virar um campo de guerra entre professores e alunos por conta dos celulares. Precisamos de políticas mais estruturadas, que levem em conta a realidade da educação pública no Brasil”, concluiu.
Lei começa a valer, mas MEC ainda não se posicionou
A expectativa é que a nova legislação entre em vigor já no início do ano letivo, mas até o momento, o Ministério da Educação (MEC) não se pronunciou sobre como será feita a implementação da regra. “Não houve formação de professores, não há diretrizes claras e nem um plano para a alfabetização digital dos alunos. Sem esse suporte, a lei pode acabar sendo apenas uma medida punitiva sem impacto real na educação”, criticou Leonardo.
Apesar das críticas, ele reconhece que a nova legislação ao menos trouxe o debate à tona. “Agora que o tema está em evidência, precisamos ampliar essa discussão, incluir especialistas, pais e educadores e construir uma solução que realmente melhore a relação dos estudantes com a tecnologia dentro das escolas”, finalizou.
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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