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Entidades denunciam política de higienização em despejos forçados de moradores de rua
Entre março e dezembro de 2020, a população em situação de rua de Porto Alegre aumentou em 38%, segundo levantamento da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Contudo, entidades que atuam na defesa dos direitos desta população denunciam que a Prefeitura não tem buscado soluções para mitigar o problema e, pior, tem acelerado a realização de despejos à força em 2021.
Em documento encaminhado ao prefeito Sebastião Melo em 11 de junho, representantes do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) questionam os despejos de pessoas em situação de rua que vêm sendo promovidos pela atual gestão. “Como o senhor se sentiria se estivesse em situação de rua e o caminhão do lixo passasse para lhe retirar os únicos pertences que lhes sobraram para ter um mínimo de dignidade?”, pergunta o MNPR.
O documento direciona ao prefeito uma série de questões apontando a fragilidade do atendimento à população de rua em Porto Alegre. “O senhor sabe que os programas de habitação que existem, como os de aluguéis sociais, moradia primeiro, etc., ainda são muito frágeis, insuficientes e inconsistentes? Os mesmos têm prazo ínfimo para possibilitar que as pessoas possam dar conta de tudo que uma casa exige e que a moradia não pode vir sem trabalho e renda?”, diz o texto.
Ao final, o documento propõe a abertura de canais de diálogo para tratar do tema e discutir políticas públicas para a área, como a retomada do Comitê Municipal de Acompanhamento e de Monitoramento das Políticas Públicas para a População em Situação de Rua.
“No comitê, estão representantes das pessoas que já viveram em situação de rua e que conseguiram superar essa situação. Elas têm experiências importantes a compartilhar com a gestão, assim como, as equipes que trabalham com essa população”, diz o MNPR.
Na última sexta-feira (19), o vereador Matheus Gomes (PSOL) acompanhou a remoção de um morador de rua no bairro Santana e publicou um vídeo em suas redes sociais em que denuncia que a ação como ilegal.
Matheus critica o fato de que ações de despejo, que considera arbitrárias, estão ocorrendo sob o comando da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) e não da Fasc, o órgão municipal responsável por prestar assistência à população de rua.
O vereador diz que os moradores de rua denunciam que, nestas ações, seus pertences estão sendo, na prática, roubados pela Prefeitura para serem descartados como lixo. “São objetos importantíssimos para a vida deles. No caso do morador que a gente a acolheu na última sexta, o DMLU botou fora as latinhas e as garrafas pet que ele utiliza para vender como meio de subsistência, para a sobrevivência dele. Esse tipo de ação está ocorrendo frequentemente em Porto Alegre”, diz.
Matheus afirma que as remoções foram debatidas neste mês de junho em duas sessões seguidas da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara de Vereadores, comissão da qual faz parte, tendo sido estimuladas justamente pelas denúncias do MNPR.
Uma das audiências da Cedecondh contou com a participação do defensor público da União Geórgio Endrigo Carneiro da Rosa, que cobrou da Fasc o respeito a uma decisão judicial de 2019 que proíbe remoções de pessoas em situação de rua sem que sejam ofertadas alternativas como auxílio-moradia ou vagas de acolhimento.
Em conversa com o site Sul21, Geórgio da Rosa pontuou que essa decisão vem sendo constantemente descumprida pela Prefeitura. “A gente tem visto que, muitas vezes, as equipes de abordagem [da Fasc] até vão nos locais, mas não é feito o trabalho de criação de vínculo, não é dado esse tempo para que seja criado esse vínculo, que sejam criadas essas vagas, para que essas pessoas sejam encaminhadas para essas vagas. Em muitos casos, a Smamus vai de forma truculenta e retira as pessoas. Ou às vezes até vai a equipe de abordagem um dia antes e não dão nem tempo para a pessoa refletir para qual local ela quer ser encaminhada, sendo que nem tem vaga nos espaços de acolhimento. Eu digo isso com a maior certeza porque a DPU tem encaminhado dezenas de pedidos de vagas e a gente sequer obtém resposta da Fasc”, afirma.
Para o defensor, as remoções que estão sendo realizadas pela Prefeitura são apenas um paliativo que visa dar uma “pequena resposta” à comunidade que se sente incomodada pela presença de pessoas em situação de rua em praças e espaços públicos. “Só que, passada uma ou duas semanas, ou aquela pessoa volta a ocupar o espaço ou outra pessoa vai ocupar”, pontua.
Matheus Gomes afirma que a Prefeitura já foi notificada que esse tipo de situação não pode ocorrer, que nenhuma pessoa em situação de rua pode ser removida se não houver uma alternativa para ela sair do local onde está. “O que está acontecendo é uma ação irregular, um descumprimento de decisão judicial pela Prefeitura, que está optando por uma situação de força em vez de uma política e um atendimento humanizado dessas pessoas”, diz. “É uma política de higienização preconceituosa que está ocorrendo por parte dessas secretarias”.
Procurada pela reportagem, a Fasc destacou que não realiza remoções de pessoas em situação de rua e que, como órgão gestor das políticas públicas de proteção e inclusão social, desenvolve um trabalho protetivo e de cuidado.
“A partir de um Protocolo de Ações Preventivas em Abordagens Sociais, os técnicos sociais das 12 equipes de Abordagens Sociais da FASC, antecedem a ação de sensibilização, reiteram a oferta de serviços, acolhimento institucional, aconselham os indivíduos e buscam conscientizar sobre as possibilidades e oportunidades ao saírem das ruas. Um tema sensível em um cenário difícil e de agravamento do desemprego e das questões em saúde mental das pessoas em situação de vulnerabilidade”, diz nota da entidade encaminhada pela fundação.
A reportagem procurou a Smamus, mas não obteve retorno da secretaria até o fechamento da matéria. Em audiência da Cedecondh realizada no dia 15 de junho, uma representante da secretaria informou que nenhuma ação é realizada antes de ocorrer a participação da Fasc. Na ocasião, a representante informou que, até então, oito remoções de acampamentos já haviam sido realizadas pela secretaria desde o início da gestão, em locais como Arroio Dilúvio, Rótula do Papa, comunidade do Menino Deus, Praça Santa Catarina e Praça Israel.
Na reunião do 15, mesmo vereadores da base aliada do governo Melo, como Mônica Leal (PP) e Kaká D’Ávila (PSDB), questionaram os representantes do Executivo sobre as vagas ofertadas às pessoas em situação de rua. “O que ela recebe? Como ela é tratada? De que forma há continuidade?”, questionou, na ocasião, o vereador Kaká D’Ávila.
Em levantamento feito a partir das abordagens sociais, a Fasc estima que, atualmente, há cerca de 2,7 mil pessoas em situação de rua em Porto Alegre.
Situação vem piorando
O defensor público da União Geórgio da Rosa diz que vem acompanhando o tema da população em situação de rua de Porto Alegre desde agosto de 2014, integrando o Comitê de Monitoramento das Políticas Públicas Municipais Para as Pessoas em Situação de Rua. Ele diz que o comitê tem o objetivo de debater questões como a abertura de vagas de acolhimento, opções de moradia, políticas de saúde para a população de rua, entre outros temas que poderiam amenizar o quadro, mas pontua que não estão sendo registrados avanços.
“A cada governo que troca, a gente não consegue avançar nessas questões. O que a gente percebe é que, de 2016 para cá, principalmente a partir do governo Marchezan, houve um recrudescimento em relação a isso, onde os órgãos municipais começaram a passar em locais e retirar pessoas de uma forma bem violenta, com todo um aparato policial, com o DMLU, retirando as pessoas como se fossem lixo”, diz.
O defensor afirma que, depois de tentar dialogar com o governo em diversas oportunidades, a DPU decidiu ingressar com a Ação Civil Pública em 2019, que resultou na liminar que proibiu as remoções sem oferta de alternativas. “A gente verificava que não tinha vaga para todas as pessoas se elas quisessem procurar os serviços e, ao mesmo tempo, o governo agia dessa forma, retirando as pessoas à força. A gente tem a compreensão de que o espaço público não é para ser habitado, mas, em contrapartida, os outros serviços devem funcionar”, afirma.
Além das questões relativas ao município, o defensor diz que o governo federal não vem repassando os valores que deveria para as políticas de acolhimento. Ele afirma que, até 2016, o governo federal repassava a Porto Alegre R$ 110 mil para políticas de acolhimento e que, desde então, esse valor passou a atrasar. “Ficou mais de ano sem repassar nenhum valor. Agora voltou, mas o valor é muito aquém do que o necessário para garantir vagas de acolhimento para todas as pessoas em situação de rua”, diz.
Para Geórgio, a Prefeitura teria condições de ofertar auxílio-moradia para todas as pessoas em situação de rua a um custo “baixíssimo”. “Se fosse pago auxílio moradia de R$ 500 para todas as pessoas em situação de rua, isso não geraria nem R$ 30 milhões ao ano. Isso não é nem 0,3% do orçamento municipal, que hoje gira em torno de 8,6 bilhões ao ano”, afirma.
Contudo, ele salienta que o auxílio emergencial como é oferecido hoje, com validade máxima de dois anos, é insuficiente, porque as pessoas acabam voltando para as ruas depois desse tempo. Da mesma forma, destaca que o número de vagas de acolhimento são muito limitadas e, no caso de albergues, também são limitadas a apenas 15 dias. “Passados os 15 dias, tem que voltar para rua, então não resolve o problema. Só vai resolver esse problema com políticas publicas voltadas à moradia, políticas de educação sérias e com políticas de geração de renda”, afirma.
Fonte: Sul 21
Imagem: Sul 21
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