“Estamos perdendo o controle público do INSS”, alerta Daniel Emmanuel
“Estamos perdendo o controle público do INSS”, alerta Daniel Emmanuel
Mais de R$ 6 bilhões foram desviados do INSS em um esquema fraudulento que envolveu entidades privadas e a cúpula da autarquia. O escândalo, revelado pela Polícia Federal, trouxe à tona não apenas o impacto financeiro do crime, mas, sobretudo, o desmonte institucional que o permitiu acontecer. Ao atingir diretamente os segurados com descontos indevidos, a fraude expôs a fragilidade do controle público sobre a Previdência Social.
No programa Contraponto desta quinta-feira (8), o diretor do Sindisprev-RS, Daniel Emmanuel, foi direto: “Estamos perdendo o controle público do INSS”. Em entrevista, ele apontou como decisões políticas e a privatização progressiva de funções estratégicas transformaram a folha de pagamento em um espaço vulnerável a abusos e fraudes.
Quando o público perde espaço, o prejuízo é coletivo
Segundo Daniel Emmanuel, o enfraquecimento da estrutura pública do INSS não é recente — é resultado de uma política deliberada de substituição de servidores por parcerias com a iniciativa privada. “A gente denunciou isso há anos. Quando bancos e entidades privadas passaram a ter acesso direto à folha, deixamos de ter o controle real sobre os descontos aplicados aos segurados”, afirmou.
Esse processo, que teve início com o leilão da folha de pagamento em 2008, intensificou-se a partir de 2017 com os acordos de cooperação técnica. Com menos da metade do número de servidores que havia há dez anos, o INSS passou a depender de entes externos para realizar tarefas antes sob responsabilidade exclusiva da autarquia. “A cada etapa, o servidor foi perdendo autonomia. Hoje, não podemos mais nem suspender um desconto ilegal. Isso está nas mãos dos bancos. E é aí que surgem as fraudes”, explicou. O dirigente destaca que a perda de atribuições veio acompanhada da eliminação de canais de controle interno, agravando a vulnerabilidade do sistema.
Decisões políticas e o custo da desestruturação
O escândalo também gerou impactos políticos imediatos: demissões na cúpula do INSS e a saída do ministro Carlos Lupi. Mas, para Emmanuel, o problema é estrutural e se arrasta há anos, independentemente do governo de plantão. Ele afirma que as funções de direção da autarquia vêm sendo ocupadas por cargos de confiança sem vínculo técnico com a área, o que facilita a construção de políticas fragilizadoras.
“Esses acordos de cooperação não são só técnicos, são decisões políticas. E a pressão de interesses privados, inclusive no Congresso, é enorme. Desde 2019, vemos tentativas legais de flexibilizar o controle sobre esses descontos, com manobras como os ‘jabutis’ legislativos”, relatou. Para ele, essa lógica tem favorecido a captura da folha de pagamento por setores financeiros e jurídicos interessados no lucro rápido. A falta de transparência e a centralização das decisões em Brasília e Porto Alegre dificultam tanto a fiscalização quanto o acesso da população aos seus direitos.
A urgência de restaurar o controle público
Diante desse cenário, Daniel Emmanuel defende a retomada urgente do protagonismo dos servidores públicos e o restabelecimento do controle interno sobre os processos do INSS. “Não se trata apenas de punir os culpados agora. É preciso mudar a estrutura que permite esse tipo de fraude acontecer.” Ele relembra que a greve realizada pelos servidores em 2023 teve como principal pauta o fortalecimento da carreira do INSS, com mais autonomia e capacidade de fiscalização. “Não pedimos aumento. Queríamos atribuições. Queríamos a responsabilidade de evitar exatamente isso que aconteceu”, reforçou.
Além da valorização dos servidores, Emmanuel propõe a reabertura das agências e a ampliação do atendimento presencial, especialmente para idosos e pessoas de baixa renda. “Os canais digitais são importantes, mas não podem ser os únicos. O cidadão precisa voltar a ser ouvido.”
Confiança ameaçada e o risco de um retrocesso maior
O diretor do Sindisprev-RS também alertou para os impactos dessa crise na confiança da população no sistema previdenciário. Segundo ele, há um risco real de que o escândalo seja usado como justificativa para aprofundar a privatização, ampliando ainda mais os problemas. “Alguns vão querer aproveitar essa crise para defender a entrega total da Previdência ao mercado. Mas isso só vai piorar. Precisamos fazer o contrário: fortalecer a administração pública, tornar tudo mais transparente e devolver o controle à sociedade”, afirmou.
Ele finaliza com um apelo por um debate estratégico: “A sociedade precisa escolher: ou seguimos o caminho do lucro privado sobre um trilhão de reais por ano, ou resgatamos o controle público da maior política social do país.”
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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