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“Não é só uma norma, é uma violência”: Pelotas reage à resolução do CFM contra jovens trans
A comunidade LGBTQIAPN+ de Pelotas foi às ruas para denunciar um novo ataque aos direitos da juventude trans. A Resolução 2.427/2025, recém-publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), aumentou a idade mínima para o início de terapias hormonais e cirurgias de redesignação de gênero, dificultando o acesso à saúde de adolescentes trans em todo o país. Em resposta, o Conselho Municipal LGBT de Pelotas divulgou uma nota pública e organizou um ato simbólico para exigir a revogação imediata da medida.
O tema foi abordado no programa Contraponto desta terça-feira (29), em entrevista com Marcos Ronei Fernandes, integrante do Conselho LGBT de Pelotas e militante do coletivo Também. Ao longo da conversa, Marcos detalhou os impactos da resolução, os atendimentos prestados na cidade, o posicionamento político do Conselho e os próximos passos da mobilização local e nacional contra o retrocesso.
Os impactos da nova resolução sobre a juventude trans
A Resolução 2.427/2025 altera profundamente os parâmetros atuais de atendimento à população trans. Até então, o início da terapia hormonal era permitido a partir dos 16 anos e as cirurgias de redesignação de gênero a partir dos 18. Agora, esses limites sobem para 18 e 21 anos, respectivamente — com a exigência adicional de um ano de acompanhamento psiquiátrico.
Segundo Marcos Ronei, essa mudança representa um retrocesso inaceitável. "Postergar o direito à saúde e à identidade é uma violência enorme contra jovens que já enfrentam conflitos diários com o próprio corpo", afirmou. Ele destacou que há evidências científicas robustas que comprovam os benefícios do início precoce do processo de transição, especialmente para pessoas com disforia de gênero diagnosticada.
Pelotas vinha sendo uma referência regional no acolhimento da população trans. A cidade conta com dois ambulatórios especializados — um vinculado à UFPel, no prédio do Amílcar Gigante, e outro na Beneficência Portuguesa — que oferecem acompanhamento psicológico, psiquiátrico e endocrinológico. Para cirurgias, os pacientes são encaminhados ao hospital da FURG, em Rio Grande.
Nota pública e posicionamento do Conselho LGBT
Diante da publicação da resolução, o Conselho Municipal LGBT reagiu com rapidez. No dia 28 de abril, divulgou uma nota pública criticando a medida e apontando suas consequências. O documento destaca que os casos de arrependimento citados como justificativa pelo CFM são raríssimos e não justificam a restrição generalizada ao acesso à saúde.
Reprodução da nota disponível no perfil do @conselholgbtpelotas no instagram
"A nota reúne dados e estudos que demonstram a segurança e os impactos positivos do processo transexualizador quando feito com acompanhamento adequado", explicou Marcos. Além disso, o texto exige que autoridades municipais, estaduais e federais tomem posição firme diante do que considera um ataque aos direitos humanos.
O Conselho também denuncia o risco à intimidade e à dignidade de jovens trans, forçados a permanecer em corpos que não condizem com sua identidade de gênero. Segundo Marcos, essa imposição acentua o sofrimento psicológico, podendo levar a quadros graves de depressão e ansiedade.
Mobilização em Pelotas e a força das ruas
No mesmo dia da nota, a população LGBT de Pelotas organizou uma manifestação simbólica em frente à 3ª Coordenadoria Regional de Saúde. O local foi escolhido por ser mais acessível à população e por representar uma instância do SUS — embora não tenha relação direta com o CFM.
Durante o ato, lideranças entregaram pessoalmente a nota à representante da administração, que recebeu os manifestantes com atenção e se mostrou sensível à causa. Também houve protocolo do documento na Secretaria Municipal de Saúde e envio ao escritório do Cremers (Conselho Regional de Medicina) na cidade.
"A mobilização faz parte de uma onda nacional de protestos articulados por mais de mil ativistas", informou Marcos. Ele ressaltou que o movimento só cessará quando a resolução for revogada: “Vamos continuar pressionando. Esse é um momento crucial para não recuarmos na garantia de direitos”.
Cenário político e estratégias de resistência
O movimento LGBTQIAPN+ vê com preocupação a condução política do CFM, que, segundo Marcos, tem adotado um alinhamento claro com setores da extrema-direita. Ele lembrou que esse não é o primeiro ataque aos direitos da população trans e criticou a atuação do Conselho durante a pandemia de COVID-19.
Ainda que o Ministério Público Federal tenha aberto uma investigação sobre a legalidade da resolução, até o momento não há resposta oficial. “Foi um movimento recente. As primeiras representações começaram no dia 23 de abril, então seguimos aguardando”, explicou o entrevistado.
Organizações como a ANTRA e o Mães pela Diversidade também estão articuladas na resistência. Além disso, o governo federal articula o Programa de Atenção à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans), voltado ao atendimento integral da população trans — o que pode se chocar frontalmente com a nova resolução do CFM.
Conferência Municipal LGBT: construção de políticas e enfrentamento à violência
Durante a entrevista, Marcos Ronei também destacou a importância da Conferência Municipal LGBT de Pelotas, que acontecerá nos dias 16 e 17 de maio, na Câmara de Vereadores. O evento será uma etapa preparatória para as conferências estadual e nacional, previstas para o segundo semestre deste ano. Segundo ele, a conferência local é fundamental para retomar a construção de políticas públicas inclusivas, interrompida desde 2016.
A programação terá quatro eixos centrais: enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIAPN+, promoção da cidadania, construção de políticas públicas e fortalecimento do mercado de trabalho para a população LGBT. Marcos lembrou que a última conferência nacional ocorreu durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e acabou tendo suas resoluções engavetadas. “Agora é hora de reconstruir e avançar com um novo marco de políticas para nossa comunidade”, afirmou.
A conferência busca garantir representatividade e fortalecer as redes de apoio em todas as esferas. “Queremos que Pelotas esteja alinhada aos avanços globais, promovendo respeito, dignidade e oportunidades para todas as identidades de gênero e orientações sexuais”, concluiu.
Serviço
Conferência Municipal LGBT de Pelotas
Data e horário: 16 de maio (sexta-feira à noite) e 17 de maio (sábado, manhã e tarde)
Local: Câmara Municipal de Vereadores de Pelotas
Descrição: Etapa preparatória para a conferência estadual e nacional. Serão debatidas políticas públicas, enfrentamento à violência, mercado de trabalho e alinhamento com pautas internacionais.
Evento gratuito
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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