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Normalização do abastecimento de água depende de baixa no Guaíba, que deve demorar

Normalização do abastecimento de água depende de baixa no Guaíba, que deve demorar

Desmonte do DEP e precarização do DMAE para privatizar contribuem para colapso, diz engenheiro

Na tarde desta terça-feira (7), Porto Alegre está com duas das seis estações de tratamento de água em funcionamento: Belém Novo, que atende 200 mil pessoas no extremo sul da Capital; e São João, que abastece 425 mil moradores da zona norte. A estação Menino Deus, a última a ter a operação retomada, estava com o abastecimento sendo feito de forma lenta e gradual até precisar parar após uma queda de energia por volta das 16h. A ordem geral é de racionar água, já que o abastecimento deve começar a normalizar totalmente apenas quando baixar o nível do rio Guaíba, e o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS) prevê uma cheia duradoura.

O Guaíba deve apresentar níveis elevados, acima de 5 m, nos próximos dias. Durante a semana, pode ser que reduza lentamente, mas há possibilidade de repique por efeito das chuvas previstas a partir do final da semana. O rio pode retornar à marca dos 5 m. Ainda segundo o IPH, caso as chuvas não se confirmem, a tendência é de redução gradual com o Guaíba mantendo-se acima de 4 m por mais de uma semana.

“O sistema depende dessas condições do nível para evitar transtornos em função de danos ao equipamento”, explica o engenheiro sanitarista Fernando Magalhães, professor do IPH/UFRGS. “O rio precisa baixar a ponto de ser feita uma manutenção, e ele não pode ter sido danificado [como condição para normalizar o abastecimento]. Pode haver danos elétricos ou mecânicos, é preciso avaliar essa situação para depois reiniciar o sistema”.

Membro do Centro de Supervisão Operacional do DMAE, o engenheiro químico Marcelo Faccin afirma que os sistemas Moinhos de Vento e Ilhas foram mais afetados e deverão retornar apenas quando o nível do Guaíba baixar para perto de 3 m, que é a cota de inundação no Cais Mauá. Durante a cheia de 1941, por exemplo, o nível do rio levou 32 dias para voltar a medir 3 m.

Faccin alerta que o uso da água deve ser o mínimo possível, pois todos os eixos do saneamento foram fortemente afetados. “Estamos sem abastecimento de água, sem esgotamento sanitário, sem drenagem urbana e sem coleta de resíduos sólidos. Tudo isso configura uma crise de saúde pública”, afirma. A Prefeitura afirma que 1,6 mil toneladas de resíduos produzidos na Capital estão sendo destinados diariamente para Minas do Leão em rota alternativa.

Questionado sobre a normalização total do abastecimento em Porto Alegre, o DMAE não forneceu uma previsão. Atualmente, 16 caminhões-pipa com capacidade de 8 a 25 mil litros estão prestando atendimento prioritário a hospitais, abrigos e clínicas de saúde e geriátricas.

Colapso no sistema de abastecimento

As estações de tratamento não funcionam durante uma cheia porque, quando o nível da água sobe muito, a estrutura que energiza as bombas fica submersa. “A bomba é um equipamento mecânico, mas que depende do motor elétrico. Por isso, o nível da água coloca em risco o funcionamento do sistema”, resume Magalhães.

O engenheiro do DMAE detalha que, para o pleno funcionamento, os componentes elétricos das Estações de Bombeamento de Água Bruta (EBABs) precisam estar acima da cota de alagamento. Cada EBAB possui suas características em termos de equipamentos e cotas de proteção contra cheias. “Apesar da gravidade na elevação do Lago Guaíba acima de 5,30m de forma persistente, a falta de planejamento e de investimentos em recursos humanos e obras nas duas últimas administrações municipais contribuiu para o colapso dos sistemas de abastecimento de água”, pontua Faccin. O especialista, que trabalha há mais de 30 anos no DMAE, afirma que houve um desmonte do antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e uma precarização do DMAE, no intuito de sua privatização.

Também é preciso energia para conduzir a água bruta do ponto de captação ao tratamento, e deste aos pontos de consumo. “No DMAE, usamos energia elétrica provida pela concessionária, a Equatorial. Seja por razões de segurança ou por incapacidade de gestão da crise, a Equatorial fez desligamentos nas áreas das EBABs, impedindo o bombeamento de água bruta dos pontos de captação junto ao Guaíba às estações de tratamento”, afirma o engenheiro.

Por fim, a qualidade da água bruta, em especial sua cor e turbidez, deve estar dentro dos limites operacionais que permitam produzir água adequada para consumo humano, nos termos do padrão de potabilidade do Ministério da Saúde. Segundo Faccin, as estações de tratamento que seguiram trabalhando durante a enchente enfrentaram “desafios imensos” de tornar potável água com valores de turbidez mais de dez vezes acima do esperado. “As vazões precisaram ser reduzidas para manter a potabilidade da água tratada, por isso houve desabastecimento mesmo nos bairros atendidos pela estação Menino Deus, pois a produção de água era insuficiente”, explica o engenheiro.

O professor do IPH afirma que não há uma solução simples, mas que há uma falta de transparência de dados públicos para que os cientistas possam ajudar o poder público na tomada de decisões. “Existem vários tipos de captação que podem trabalhar com o nível de água acima do equipamento. Sistemas submersos ou então flutuantes. Ou pode se buscar água mais distante, é uma obra mais cara, mas que oferece flexibilidade frente a essas condições. O sistema precisa ser mais flexível e não depender somente disso [do nível do rio], porque essas situações [como a enchente] estão cada vez mais rotineiras. Mas isso precisa ser planejado”, destaca Magalhães.

Falta água no supermercado

Logo no início da crise, começaram os relatos de quem ia ao supermercado e via outros consumidores comprando água mineral em grandes quantidades. Agora, é difícil achar o produto nas prateleiras e alguns estabelecimentos limitam o número de garrafas que podem ser levadas por cliente.

Conforme a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), a população está comprando 14 vezes mais água mineral do que em um momento regular. “Isso, por mais que a logística estivesse 100%, já geraria um déficit do produto nas gôndolas. Como ainda temos problema nas estradas, o abastecimento é lento”, alega Antônio Cesa Longo, presidente da associação. Mas não há desabastecimento na indústria, garante Longo. “As produtoras têm estoque. O que está havendo é uma dificuldade logística aliada a um super consumo”, diz.

O preço da água mineral, segundo o diretor, não deve sofrer aumento por causa da demanda elevada. “Se as empresas tiverem que fazer muitas voltas para entregar, pode impactar o preço do frete, mas é um valor pouco significativo. Quando as estradas forem normalizando, a situação vai ficar melhor”, afirma.

Via: Sul 21


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