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Nossa fala é Não (por Leonardo Melgarejo)

Nossa fala é Não (por Leonardo Melgarejo)

Nesta semana, sem dúvida os eventos mais importantes se referem à barbárie.

É claro, tivemos na CPI da Covid aquele caso do patriota que pediu demissão da Anvisa, onde ganhava segundo o senador Renan R$ 30 mil por mês, e foi trabalhar de graça no Ministério da Saúde, exatamente no setor onde rolava um trambique de compra de vacinas, envolvendo corrupção de 400 milhões de dólares, num contrato de 1,6 bilhão de reais.

Mas não vamos tratar disso. Vamos focar a barbárie.

No Afeganistão, tivemos o esquema dos talibãs, com aquele avanço tão surpreendente que claramente mereceria o escrutínio de uma CPI tão atenta como a da Covid.

E aqui, na desfaçatez dos golpistas, para além dos escândalos da corrupção, do desgoverno, e das ameaças à paz social, temos o etnocídio.  

Me refiro ao Julgamento do Projeto de Lei 490 que trata do tal de Marco Temporal. Artimanha que pretende acelerar o genocídio dos povos indígenas, desfazendo inclusive direitos já alcançados em áreas demarcadas, o PL 490 ainda inviabilizará o reconhecimento de outros 300 territórios identificados como tal, estimulando a exploração predatória do Brasil.

Por trás disso, estão as características marcantes do bolsonarismo e seus coadjuvantes. A arrogância, a prepotência, a ignorância, a gula infantil e o desejo de destruir.

Se trata de abocanhar e liquefazer territórios protegidos pelos povos originais, para que sobre eles avance o fogo, o pasto, a soja, a exposição do subsolo, o ecocídio.

Sabemos que com isso, viroses desconhecidas, até então contidas naqueles ecossistemas, em convívio com seus hospedeiros naturais, transbordarão rumo à humanidade.  

Ao mesmo tempo, as chuvas se reduzirão, e os desertos avançarão para o Sul.

Com as secas e as lutas por água, veremos o esvaziamento de represas e a falta de energia. As noites ficarão mais perigosas, os hospitais perderão a capacidade de tratamento, e neste quadro sequer adiantarão as tentativas de importar vacinas, respiradores, tubos de oxigênio ou quaisquer outras formas de suporte vital hospitalar.

Será o tempo da barbárie e então, como afirmou Paul Kingsnorth: “O ecocídio nos mostrará que estamos errados. E chegará o apocalipse.”

Desde o dia do fogo, 10 de agosto de 2019, as chamas do inferno passaram a destruir, anualmente milhões de formas de vida no território brasileiro.  

E claramente isto ocorre sob responsabilidade do governo Bolsonaro. Basta relembrar algumas de suas manifestações horrorosas como estas, reunidas em 2018/2019, pelo site esquerdadiario.com:

“Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios.” (Correio Braziliense, 12 Abril 1998)

“[reservas indígenas] sufocam o agronegócio. No Brasil não se consegue diminuir um metro quadrado de terra indígena.” (Campo Grande News, 22 Abril 2015)

“Em 2019 vamos desmarcar [a reserva indígena] Raposa Serra do Sol. Vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros.” (No Congresso, publicado em 21 Janeiro 2016)

“Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura. São povos nativos. Como eles conseguem ter 13% do território nacional.” (Campo Grande News, 22 Abril 2015)

“Se eu assumir [a Presidência do Brasil] não terá mais um centímetro para terra indígena.” (Dourados, Mato Grosso do Sul, 8 Fevereiro 2018)

“Pode ter certeza que se eu chegar lá (Presidência da República) não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola.” (Estadão, 3 Abril 2017)

“Essa política unilateral de demarcar a terra indígena por parte do Executivo vai deixar de existir, a reserva que eu puder diminuir o tamanho dela eu farei isso aí.” (Vídeo pelo Correio do Estado, 10 Junho 2016)

Esta é a moldura. E é contra isso, em defesa do que representa a preservação daqueles ecossistemas, que hoje mais de 6 mil indígenas de 175 tribos estão acampados em Brasília, na maior manifestação histórica daqueles povos. Eles clamam pela atenção do mundo em apoio às suas lutas em defesa de algo fundamental para a vida de todos. Se trata de resistir para existir.

Tudo indica que Bolsonaro, nosso primeiro presidente a não demarcar terras indígenas, que também já é o primeiro brasileiro denunciado por genocídio e ecocídio, na Corte Internacional de Haia, pretende vir a ser responsável por crime sem perdão, contra a vida.

Em função do aquecimento global, o ecocídio tende a ser considerado crime contra o planeta, a ser incorporado às legislações internacionais como “ato ilícito ou arbitrário” que cause “danos graves e duradouros ao meio ambiente”.

E é disso que se trata. De nossa responsabilidade coletiva com fato crucial para a humanidade. Como adultos, só temos uma opção. Precisamos seguir Davi Kopenawa, que esta quinta-feira, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, afirmou: “Minha fala, nossa fala, é Não”.

Para encerrar com música, já que a base do tema é o governo Bolsonaro, me ocorreu a leitura de Gilberto Gil, sobre as pessoas nefastas.

https://www.youtube.com/watch?v=sRPYV6vLKdM

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.


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