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"Ó donos do agrobis, ó reis do agronegócio" (Por Leonardo Melgarejo)

Nesta semana, nada de falar da CPI, da famiglia imperial, dos golpistas ou das mortes por iniquidade governamental. Vamos a uma questão de fundo, envolvendo os patrocinadores.

Vamos à versão dissimulada do agropop e seus venenos.

Vamos à assimetria de perspectivas a respeito da importância dos direitos humanos, representantes da população que, ocupando espaços no Congresso Nacional, apoiam ou se opõem aos agrotóxicos.

Esta questão pode ser ilustrada por confronto entre defensores do PL6299/2002 (Pacote do Veneno) e do PL 6670/2016 (Política Nacional de Redução no uso de Agrotóxicos - PNARA).

Ali temos caracterização do valor atribuído à vida e ao voto dos brasileiros por parte de deputados e senadores comprometidos com cada uma daquelas perspectivas.

Relembrando: desde 1989 a Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989) vem sofrendo ataques de interesses associados ao mercado dos venenos agrícolas.

Eles afirmavam na ocasião, e hoje reivindicam através do pacote do veneno (PL6299/2002), radical eliminação de precauções estabelecidas na Lei 7.802/1989, que segundo eles impediriam o desenvolvimento do agronegócio nacional.

A realidade mostrou o oposto. Sem a mutilação daquela lei não apenas alcançamos destaque inegável entre os produtores de commodities agrícolas como nos tornamos o maior consumidor global de agrotóxicos e o segundo maior importador de venenos de uso proibido na Comunidade Europeia. Eles rejeitam aqueles venenos, na Europa, porque lá seu uso implica em riscos assumidos como desrespeitosos a ponto de se tornarem inaceitáveis para a saúde humana. Aqui, como se sabe, o agro é tudo, menos isso.

Implicando em retração de mercados, e redução de preços, aquele lixo tóxico, ao atrair a atenção de agentes inescrupulosos, vem sendo deslocado para regiões controladas por governos complacentes, pouco responsáveis ou muito afeitos à sedução de pressões econômicas.

Claramente isto impõe necessidade de esclarecimento às populações ameaçadas, até porque danos eventualmente desconhecidos nos anos 1990, quando do início de vigência da Lei 7.802/1989, hoje reclamariam ainda maiores cautelas do que as então estabelecidas via Lei dos Agrotóxicos.

Em outras palavras, o avanço das pesquisas científicas e do respeito aos valores democráticos, em países onde poderes públicos atribuem maior relevância à saúde populacional do que à pressão de lobbies econômicos, vêm determinando movimentos civilizatórios opostos ao que se verifica em nosso pais, aqui ilustrados pelo debate entre o PL6299/2002 (Pacote do Veneno) e a PNARA (PL 6670/2016).

Destaque-se que, com apoio de campanhas midiáticas, formadores de opinião e estudiosos capturados por interesses ética e moralmente duvidosos, em apenas dois anos do governo Bolsonaro, e na ausência de qualquer problema agropecuário adicional, cerca de 1.300 agrotóxicos “novos” tiveram seu uso aprovado.

Destes, boa parte dentre os de maior uso se incluem na lista dos venenos altamente perigosos, de uso não autorizado em suas regiões de origem.

Com isso, pelo menos um quarto das cidades brasileiras já oferece a seus munícipes água “potável” com resíduos dos 27 agrotóxicos de avaliação obrigatória, 21 dos quais de uso proibido na União Europeia (outros 2.931 municípios sequer realizaram aquelas análises). Aliás, segundo a ANVISA, 23% dos alimentos participantes da dieta básica (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) carregariam resíduos de agrotóxicos.

Não é irrelevante, ainda, as ameaças que esta situação traz para exportações brasileiras de grãos contaminados por resíduos de venenos de uso não autorizado nos países de destino.

Esta realidade, estimulada pelo PL do Veneno, e enfrentada pela PNARA, só não é mais grave pela ocultação de danos, como ilustrado pela discrepância obscena entre os Limites Máximos de Resíduos considerados aceitáveis para a presença destes venenos na água de consumo humano, no Brasil e na Europa. Apenas para o caso do glifosato, herbicida do qual se derrama em nosso território cerca de 250 milhões de litros ano, aquela diferença é da ordem de 5 mil vezes.

Considere-se, ainda, que recente alteração na classificação da ANVISA rebaixou a toxicidade de mais de 800 venenos de uso agrícola. Literalmente 53 produtos que há pouco eram tidos como extremamente tóxicos (categoria I) migraram à categoria 2 (toxicidade alta); 69 foram deslocados para a categoria III (moderadamente tóxicos, faixa amarela); 272 para a categoria IV (pouco tóxicos, faixa azul) e, finalmente 274 passaram para a categoria V (improvável de causar dano, faixa verde).

Finalmente, para bem caracterizar a prevalência dos interesses econômicos, sobre aspectos de saúde, o Ministério da Agricultura autorizou a aplicação de agrotóxicos misturados nos tanques dos pulverizadores, regularizando prática criminosa onde coquetéis sobre os quais inexistem estudos de toxicidade sinérgica, passam ser “legalmente” aplicados, inclusive por via aérea (modalidade de uso proibida na União Europeia).

Tudo isso evidencia necessidade de lei mais respeitosa e não menos cautelosa do que aquela dos anos 1990. E este é o propósito da lei PL 6670/2016 (Política Nacional de Redução no uso de Agrotóxicos - PNARA), que entre seus pontos principais reclama por redução de estímulos (como isenções fiscais, créditos facilitados) aos agrotóxicos, aprimoramento nos sistemas de análise e revisão decenal das autorizações de uso, bem como fortalecimento de sistemas de produção amistosos ao ambiente, com apoio à pesquisa, produção e comercialização de produtos de base agroecológica, além de programas de educação e conscientização sobre os riscos relacionados aos agrotóxicos e as vantagens de sua superação, entre outros.

A sociedade precisa estar atenta a este tema e aos votos dos parlamentares, que, sendo minimamente responsáveis, deverão se posicionar com vistas ao bloqueio do pacote de veneno, e à aprovação da PNARA.

Ou isso, ou merecerão desprezo similar ao reservado, na história, à famiglia imperial, aos golpistas, aos responsáveis pelas mortes por iniquidade governamental e a seus patrocinadores.

Uma música?

Chico Cesar, Reis do Agronegócio

https://www.youtube.com/watch?v=jfdiq6M5iUw

Para detalhes sobre este tema, aqui não avançados por limitações de espaço recomendado acesse: 

https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Pacote-do-Veneno---publicacao-ampliada%281%29.pdf
https://www.abrasco.org.br/site/uploads/2021/07/LIVRO-DOSSIE-V8.pdf
https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2018/06/saiba-por-que-o-pacote-do-veneno-e-pessimo-para-o-brasil/
https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2018/05/saiba-como-o-pacote-do-veneno-pode-piorar-a-sua-vida/

Outras referências importantes:

FRIEDRICH, Karen et al (org.). Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da Vida! – 1. ed. Porto Alegre: Rede Unida, 2021.

MPF. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão - Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Nota Técnica 1/2018 - Projeto de Lei 6.299/2002. 03 de maio de 2018.

MPT. Nota Técnica do Ministério Público do Trabalho sobre o Projeto de Lei n. 6.299/2002. 14 de maio de 2018

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.


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