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O samba é a resistência e mistura que ecoam na voz de Teresa Cristina (por Danilo Nunes)
“Eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo sim senhor…” já dizia nosso Zé Ketti em homenagem ao rei do terreiro. Se existe um lugar onde tudo, todos, todes e todas se misturam é na boa e tradicional roda de samba. Das dores aos amores, tudo se faz poesia. Eu costumo dizer que aquele (a) que faz samba, enxerga melhor a vida e a vida melhor. Mas, de onde vem o samba?
O Samba vem de nós mesmos (as), do Brasil, do (a) brasileiro (a), na brasilidade de ser quem somos. Negros (as), Índios (as) e Brancos (as) que, se encontraram em trágicos momentos da nossa história, mas se misturaram. Misturaram-se nos batuques africanos que pulsam junto aos nossos corações, nas belas melodias e harmonias que se organizam e se encontram em nossas almas antes de ecoar pelos quatro cantos do mundo.
O início do século XIX tem a cidade do Rio de Janeiro como capital do Império e a urbanização cada vez mais avançada. Negras e Negros das diversas partes do Brasil e da África, eram trazidos (as) para serem escravizados em terras cariocas, onde se encontrava a corte portuguesa e o samba ganha força com suas belas rodas de fundo de quintal, principalmente na região da Praça Onze onde se encontrava um contingente de pessoas que, a partir da religiosidade Iorubá traz força as figuras das tias, mães de santo que abriam seus espaços para o pagode de quintal. A festa tinha o samba como carro chefe e misturava gente, estilos, instrumentos, tradições, tornando o samba uma manifestação cultural genuinamente brasileira. Assim disse o pesquisador Marco Alvito:
“Uma das possíveis origens, segundo Nei Lopes, seria a etnia quioco, na qual samba significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito. Há quem diga que vem do banto semba, como o significado de umbigo ou coração. Parecia aplicar-se a danças nupciais de Angola caracterizadas pela umbigada, em uma espécie de ritual de fertilidade. Na Bahia surge a modalidade samba de roda, em que homens tocam e só as mulheres dançam, uma de cada vez. Há outras versões, menos rígidas, em que um casal ocupa o centro da roda. (ALVITO, Marcos. Samba. In: Revista de história da Biblioteca Nacional. Ano 9. nº 97. Outubro, 2013. p 80). ”
A baiana Tia Ciata e sua casa se estabeleciam como principal referência para compositores (as) e sambistas das diversas partes do Rio de Janeiro. Uma mulher num ambiente onde o homem, como reflexo de todo um sistema patriarcal, era destaque dentro do segmento cultural. Mas, foi essa mulher que passou a inspirar tantas outras mulheres a deixarem o posto de coadjuvante para protagonizar um movimento que faziam suas vozes ecoar em todo o país, colocando o samba nas cabeças da música e cultura brasileira.
D. Ivone Lara, por exemplo, grande sambista e compositora, foi a primeira mulher a ser convidada a ingressar numa ala de compositores de escola de samba. A cantora e compositora, autora de sambas que cantamos até os dias atuais é considerada por todos (as) nós como uma majestade do samba. Assim, mulheres e seus cantos de liberdade passaram a representar para todo um país, um segmento que muitas vezes na história foi marginalizado pelas elites. Seus cantos, sua força e seu jeito de cantar a liberdade, mostrando um lugar de igualdade onde todos (as) se misturam num só coro, foi e continua a ser fundamental para o samba ser reconhecido e admirado em todo o mundo por diferentes classes sociais.
E na contemporaneidade, a força da cantora e compositora Teresa Cristina se encarrega de manter, mais vivas que nunca, as tradições culturais do nosso povo. Teresa traz não apenas um canto genuíno, um timbre inconfundível, mas a imagem da mulher protagonista, inspirando mulheres a assumirem lugares que sempre foram seus, mas foram roubados pelo machismo estrutural da sociedade.
Teresa Cristina é a nossa voz de resistência e o nosso canto que clama por justiça social. Teresa é Teresa, mas também é mistura, é música, é mulher e liberdade. Assim, podemos acompanhar em seu single e clipe Unidos e Misturados, recentemente lançado em parceria com o cantor e compositor Martinho da Vila:
Ô Maninha, Vamos fazer um roçado
Cortar o que? Ervas daninhas
Tais como as quais que estão lá no cerrado
Ceifar os cantos lá nos meios e nos lados
Trampando juntos, Unidos e Misturados
Pra espantar os desencantos temos a força dos votos
Reza forte para os santos pelos quais somos devotos
Depois cair na orgia mantendo sempre as reservas
E com o axé dos nossos guias tomar um banho de ervas
Trampando juntos, Unidos e Misturados
Como um café com leite, um conhaque um traçado
Trampando juntos, Unidos e Misturados
Depois tomar um chopinho num copinho bem gelado
Trampando juntos, Unidos e misturados
Não me venha com mentira que isso é coisa do passado
Trampando juntos, Unidos e misturados
Se eu estou te convidando é porque eu to antenado
Trampando juntos, Unidos e misturados
A força desse encontro e da letra da canção nos traz esperança num momento em que tudo o que vem acontecendo dentro da crise sanitária, econômica e social, vem nos fazendo compreender cada vez mais que precisamos de nós.
Mais do que isso, Teresa Cristina mostrou que está a frente de seu tempo e trouxe a partir de suas lives e da facilidade com que se adaptou ao uso das novas ferramentas de comunicação tecnológica, a disseminação da música brasileira e do samba, conseguindo dialogar com as diversas gerações por meio de suas redes, sendo considerada a artista do ano em 2021.
Ah Teresa, como você é importante para todos (as) nós e sua existência foi e é fundamental no Brasil. Você nos traz força para seguir em frente e para continuar a luta em combate a esse sistema desigual, injusto e criminoso.
Além disso, a cantora e compositora prepara uma homenagem ao genial compositor Zé Keti, prevista para o mês de novembro de 2021. Zé Ketti que no último 16 de setembro, completaria seu centenário. O cantor e compositor nos deixou em 1999, mas sua obra continua sendo de relevante importância para nossa música e, Teresa Cristina, como sempre traz à tona, conseguindo manter viva a memória, a herança, a tradição e a dívida que o Brasil tem com nossa matriz africana que, nos deu a identidade de povo, mas foi massacrada pela escravidão cruel e comercial que o homem branco, utilizando-se do etnocentrismo praticou, deixando marcar em nossas vidas.
O sangue dos (as) nossos (as) ancestrais africanos (as) e afro-brasileiros (as) ainda mancham nossas mãos e a desigualdade social do Brasil nos faz lembrar o quanto precisamos nos desconstruir para que possamos, no dia a dia viver aquilo que o samba nos mostra: Igualdade.
Para assistir o clipe da canção Unidos e Misturados com Teresa Cristina e Martinho da Vila, acesse:
E, acompanhe no próximo domingo às 20h, uma prosa musical que tive com a cantora e compositora Teresa Cristina.
Danilo Nunes
Músico, ator, historiador e pesquisador de cultura popular brasileira e latinoamericana
Instagram: @danilonunes013
Facebook: @danilonunesbr
Edição NPJ
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