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Ocupações em luta por direito à moradia digna e à cidade
A luta por moradia é antiga no Brasil. O direito a ela passou a ser assegurado na Constituição Federal apenas em 2000, quando foi aprovada a Emenda número 26, sendo, a partir de então, uma competência comum da União, dos estados e dos municípios, aos quais cabe promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Entretanto, a realidade é outra. Como reflexo das políticas adotadas pelo governo federal em vários segmentos, de estado mínimo para as áreas sociais, a situação não é diferente quando trata-se das ações para o desenvolvimento habitacional e proteção social.
Segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro, em 2019, último dado colhido, o déficit habitacional, em todo o Brasil, foi de 5,8 milhões de moradias. Número que hoje é superado por imóveis vazios ou ociosos, de cerca de 6 milhões.
Canto de Conexão
Há cinco anos, em Pelotas, o casarão localizado na esquina da rua Benjamin Constant com Álvaro Chaves, que estava abandonado e degradado há quase uma década, fazia parte desses dados. Com pouco mais de 20 cômodos, estava sem utilidade, até que, no dia 17 de março de 2017, um grupo de estudantes, cuja permanência na Universidade estava ameaçada pelos cortes no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), com o suporte do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), decidiu mudar esse cenário e dar um basta na violência que rondava o local.
Após reparos e limpeza do terreno, que era uma espécie de depósito de lixo, o lugar passou a ter um propósito, não só tornando-se moradia, mas também um espaço de acolhimento para a população de todo o município. Segundo Raquel Moreira, integrante da coordenação de projetos e da assessoria jurídica, o local se tornou referência para aquelas pessoas em que o Estado não chega.
Hoje, a ocupação se reconhece como Kilombo Urbano Ocupação Canto de Conexão e, além dos aquilombados, residentes que totalizam entre sete e dez, também envolve aproximadamente cem outras pessoas, responsáveis pelo funcionamento do espaço, conforme aponta o ativista e morador Giovane Lessa, presente desde o início.
No Kilombo, são desenvolvidas diversas ações que contribuem para a transformação social de Pelotas, tendo como objetivo principal estimular o reconhecimento do direito à cidade. O projeto carro-chefe, conforme lembra Raquel, é o banco de materiais de construção, recebidos pela ocupação e doados à comunidade, responsáveis por ajudar na manutenção de mais de 200 casas. Inclusive, também já foram erguidas duas moradias populares para a comunidade periférica, com a ajuda de voluntários.
Dentre todos os projetos, Giovane também destaca a Biblioteca 0800, onde são adquiridos e disponibilizados livros gratuitos; o Rasta Jeans, de ressignificação desses tecidos em bolsas; o Sem Fome, Sem Dor, realizado pela cozinha comunitária e que serve cerca de 150 marmitas aos domingos para a população vulnerável da cidade; a Roda das Negras Velhas, promovida para a escuta das mulheres negras; e o aviário, onde são criados patos, galinhas e perus. Além disso, há espaços culturais, como a sala de música, aberta a quem precisar ensaiar ou construir e recuperar instrumentos; a sala Juliana Martinelli, mulher trans negra e ativista, que foi assassinada em 2017, e está em processo a construção de um palco no pátio.
A luta é diária
Mesmo após cinco anos, o Kilombo permanece em uma situação delicada e a luta será sempre diária, ressalta Raquel. Recentemente, a comunidade esteve ameaçada por conta de um pedido de reintegração de posse, cujo prazo expirou na primeira quinzena de julho. Diante dessa situação, a Assessoria Jurídica recorreu ao Ministério Público Federal (MPF) para provar que o prédio é da esfera Federal e pertence à Capitania do Porto do Ministério da Marinha, comprovada por documentação recente, como a conta de água e a certidão expedida pela Prefeitura. Até mesmo uma audiência pública na Câmara Municipal ocorreu em junho, junto ao lançamento da campanha “Kilombo Fica”. Por enquanto, estão amparados pela lei que suspendeu despejos e a desocupação de imóveis durante a pandemia.
“Aparentemente, parece que a gente está mais tranquilo por causa da aprovação da lei, mas não estamos nada tranquilos com isso, porque a gente sabe que não existe qualquer legislação que garanta qualquer coisa nesse país e que tem muitos que passam por cima disso. Então, para nós, não vai ser fácil. Vamos estar na luta e na resistência e contamos com toda a sociedade pelotense, que a cada dia se soma nessa luta, para que, se houver a desocupação, esteja nesse dia conosco”, reforça Raquel.
O que diz a lei?
Durante a pandemia, o problema dos despejos, que já era crônico, foi agravado. De acordo com a Campanha Nacional Despejo Zero, em dados atualizados até maio de 2022, houve um aumento de 393% no número de famílias despejadas no Brasil nos últimos dois anos e de 655% no número de famílias ameaçadas de perder sua moradia. Nesse período, mais de 21 mil foram removidas de suas casas e outras cerca de 142 mil ainda correm risco.
Os números são alarmantes, pois, somente em 8 de outubro, foi promulgada a lei 14.216, que suspendeu o despejo ou a desocupação de imóveis em virtude da pandemia. Bolsonaro havia vetado o projeto, mas foi derrubado posteriormente pelo Congresso Nacional. Após, a lei foi estendida até março de 2022 e no dia 31, com a proximidade do fim da liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), a Campanha Despejo Zero convocou diversos movimentos populares para mobilizações nacionais pelo país. Até o momento, está garantida até 31 de outubro.
Papel do Kilombo
De acordo com Giovane, o papel político do Kilombo Urbano é promover a discussão do direito à cidade e fazer com que haja reflexão sobre o que envolve o processo da habitação popular. “Tem vários loteamentos que estão irregulares e precisam ser regularizados. A nossa luta é diária e sempre será para fortalecer o debate do direito à cidade. É tanta casa sem gente e tanta gente sem casa, e o município tem que dar o retorno para essas pessoas que escolheram Pelotas para viver e estudar”.
Para o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUrb) da UFPel, professor Maurício Polidori, cujo prédio fica ao lado do Kilombo, a situação do entorno, antes da ocupação, era de abandono e insegurança, o que diminuiu consideravelmente a partir do momento em que o espaço passou a ser cuidado.
Conforme destaca, utilizar prédios ociosos para fins habitacionais é importante, pois aumenta a densidade em áreas com infraestrutura, além de constituir-se como uma economia para o município. “No caso do Canto de Conexão, a situação é melhorada pelas atividades culturais e sociais que estão sendo realizadas. O Kilombo Urbano aproxima o imóvel de funções sociais da propriedade e se configura como uma solução para a cidade, a ser conhecida e aperfeiçoada”.
Assessoria ADUFPel
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