Defesa de Braga Netto ressalta lealdade do general a Bolsonaro
Os Incêndios e as mulheres do fim do mundo
Semana difícil. Tão difícil, que nem sei das últimas do governo trapalhão e seus atores sombrios. Relembrando pontos altos, para sugerir acesso aos registros, tivemos:
A coletiva do Lula, com as mídias independentes. Magnífica, a lição de conhecimento e o domínio dos fatos que determinam as dificuldades que enfrentaremos, na recuperação deste país sangrado, desmontado e internacionalmente desmoralizado, pelos golpistas. Corajosa, a afirmativa de que vamos precisar de todos e que isso exige confiarmos na seriedade dos que ontem seguiam a estrada do fim do mundo, e hoje pactuam conosco, afirmando compreender e assumir os ônus impostos pela urgência de um acordo nacional, contra a degradação moral e o fascismo. Bem-humorada, em seu aconselhamento ao inominável. Que doravante, se lembre de descascar o camarão, e mastigar, antes de engolir. Especialmente a cabeça, que pode machucar, na entrada e na saída. Imperdível e histórica, esta coletiva deve ser vista e revista.
As queimadas no Alegrete, baita chão. Inferno nunca visto por aquelas bandas. A comunidade perplexa, os diretamente prejudicados atônitos e próximos ao desespero. Cercas, máquinas, equipamentos, animais e toda a vida do subsolo, responsável pela ciclagem do carbono e do fósforo, pela percolação da água, pela fixação e disponibilização de nitrogênio, destruídos. Nas regiões de campo nativo é possível que a resiliência dos ecossistemas naturais recupere em médio prazo, parte da capacidade produtiva. Mas naqueles campos ofendidos pelas lavouras de soja, ou onde a pastagem nativa foi substituída por brachiaria e paspalum, na gula da rápida engorda de bois, a calamidade está definida.
Pensem nisso: quantos anos para recuperar a microbiota, com inoculação gradativa pelo pastejo e bostejamento, em campos totalmente queimados? E como as pessoas reagem a isso? De várias formas. Diante da impossibilidade de negação, muitos culpam o divino. “Mas que azar”... “logo aqui”... “logo comigo, contigo, com ele, conosco”. Outros, buscam inimigos imaginários “quem foi o fdp que colocou fogo no corredor?”... “quem tem interesse em me, te, nos, prejudicar?”.
Poucos parecem ligar esta tragédia, que extrapolou de longe as queimadas que as secas costumam trazer, todos os verões, às cheias na Bahia, aos torós derrubando barragens em Minas, ao desequilíbrio ecossistêmico imposto ao planeta, pelas queimadas criminosas, estimuladas pelo atual desgoverno, no Pantanal e na Amazônia. No fundo, imagino que todos saibam: a responsabilidade é nossa, e como Lula falou, precisamos entender isso e juntar forças para conter estes dramas, e evitar que se repitam.
Nesta semana, no programa Arte, Ciência e Ética num Brasil de Fato, Mauri Cruz examinou o Fórum Social das Resistências, sua evolução desde os primeiros Fóruns Sociais Mundiais, e atual imperativo de uma governança global, para enfrentamento da Crise Climática. Em sua análise, Mauri Cruz foi preciso e certeiro. As exclusões são a fonte do mal maior. Para superar este drama, precisamos recuperar os direitos humanos, começando pelo grupo mais numeroso, que também é o mais prejudicado e com o qual temos a maior dívida. As mulheres em geral e as mulheres negras, em especial, precisam, mais do que se tornarem público prioritário, se perceberem convocadas e incorporadas às forças de solução. Aliás, respondendo à questão do Mauro, Brasil 247, Lula demonstrou compreensão e disposição para enfrentar este desafio, uma vez no governo, a partir de 2023.
Para fechar a semana, uma das mulheres negras mais injustiçadas deste país, nos deixou.
Elza Soares, que só queria rir e cantar, não está mais fisicamente entre nós. Ela, que em sua força jamais teve receio de assumir sua negritude, sua sexualidade, sua compreensão das injustiças, ela, que só queria viver sua vida com seu amor e seus filhos, foi exatamente por isso transformada por mais de meio século, na Geni do Zepellin. Execrada por ser negra, alegre, exuberante, e por amar o Garrincha, herói nacional que também a amava. Uma paixão de dar inveja, onde ambos se bastavam e a vida se oferecia de pleno, para ser desfrutada, cantando e dançando.
Garrincha se foi, e Elza continuou crescendo, à margem de todos os poderes. Um verdadeiro Orixá em vida, Elza será lembrada por séculos e na retomada de um Brasil decente, terá sua história recontada, seu amor reverenciado e sua vida exposta como exemplo a ser seguido.
Elza, uma das tantas mulheres do fim de mundo, cantou até morrer.
E duvido que existam pessoas insensíveis a ponto de não se comover com sua lembrança, ou com sua presença, eternizada nesta e em tantas outras músicas. Elza passou por nós e devemos agradecer por isso.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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