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A lixeira somos nós

A lixeira somos nós

Cresce a consciência de que estamos perto daquele limite onde, ou reagimos, ou seremos cúmplices dos vampiros que chupam o sangue e a alma de nossa gente e nosso território.

Felizmente, quem vê não esquece. E estamos abrindo os olhos. Crescem os motivos que nos empurram em defesa de interesses da vida, contra a especulação e os desejos/maquinações do Capeta Capital.

Como alertou o Profeta Gentileza, aquele monstro e seus cúmplices devem ser enfrentados inclusive com amor. Mas como nem sempre isso basta, devemos nos preparar para outros tipos de confrontação e, de cara, ir em frente, desmoralizando suas ações e mitos.

Em qualquer caso, e sendo quem somos, nossa melhor arma será o conhecimento.

Se trata de olhar o mundo com espírito crítico, entender e ajudar a expandir a compreensão geral dos nossos, a respeito do que segue acontecendo no pano de fundo da vida, enquanto nos distraímos com os gols do Luizito Suares, com a morte das carpas ou com a quebra do sigilo dos cartões do Bolsonaro.

A consciência é coisa muito boa e deveras necessária. Quando alimentada, ela se multiplica e avança a passos irreversíveis, jogando luz sobre aqueles sinais misteriosos que, unindo o censo comum à ciência responsável, estimulam a organização de formas de ação coletiva contra o que ameaça nossas perspectivas de vida.

E os sinais não faltam. Vejam que esta semana, no RS, até os jornais golpistas denunciaram a gigantesca ilha de lixo que se formou no rio Gravataí. Foram obrigados, até porque com a seca o rio passou a feder. Embora ali se acumulem embalagens de produtos de anunciantes da grande mídia, e estes detalhes são omitidos, a água está sendo envenenada.

No complexo Gravataí-Sinos, alias como em outros espaços de menor visibilidade, os processos orgânicos naturais, os serviços ecossistêmicos de purificação ambiental, estão deixando de existir. Estão sendo destruídos pelos mesmos agentes de mercado que rejeitam a agroecologia, financiam ações de golpistas, ajudam a eleger deputados e senadores negacionistas, e aguardam nova oportunidade de golpe contra a democracia.

Quando a natureza não consegue dar conta dos ataques de interesses produtores de lixo, se nada fizermos, a insalubridade avançará sobre todas as formas de vida. É isso que a ilha de lixo nos informa. Os rios deixam de ser rios. De artérias alimentadoras da vida, passam a ser veículos para envenenamento das águas que existem em todos os corpos.

Estamos, através de nossa apatia, contribuindo para a extensão de uma espécie de doença terminal, do Gravataí para o Guaíba, a Lagoa dos Patos, a foz em Rio Grande e, enfim, para todos os corpos que dependem deste complexo. A tentativa desesperada de estabelecer um cordão de isolamento para deter o avanço daquele lixo que flutua no Gravataí, embora necessária para facilitar sua coleta, não deixa de ser ridícula. Afinal, embora óbvio, vale repetir: o problema não se resume àquilo que não afunda. O mal que reverbera e contamina está na mente e no coração dos praticantes e dos omissos.

Por isso, a morte dos rios corresponde à corrupção das almas de todo ecossistema. Ali ocorre algo que dá vazão ao surgimento de barbáries e doenças de todo o tipo. Algo que impulsiona o giro de uma roda que amplia entre nós o uso de medicamentos e antibióticos, somando-os aos agrotóxicos, aos hormônios e à pletora de venenos que, retroalimentando o drama dos rios, distorce e desvia todos os organismos de suas rotas metabólicas normais.

Portanto, a defesa dos rios corresponde, em ampla metáfora, à defesa da vida e de qualquer sociedade pautada pelo respeito aos direitos humanos universais. E, acontecendo o que estamos vendo acontecer, está clara a necessidade de comprometimento, de ampliação de articulações contra as causas determinantes de tragédias.

O que se percebe na nojeira das ilhas de lixo é quase nada em relação ao universo de escuridão que vem sendo alimentado pela vontade cruel e o dedo podre de governos que facilitam, entre nós, a especulação imobiliária, o desinvestimento em serviços públicos, a deseducação popular, a expansão no agronegócio predador, o uso de agrotóxicos expulsos de outros lugares do mundo e a ameaça permanente do fascismo e de uma vida pautada pelo medo.

Aqueles descartes, sobras, excessos e indicativos de mau uso de nossas capacidades cognitivas estão associados ao genocídio dos yanomamis, à construção da tolerância social para com um modelo que pretende enganar a todos, enquanto estimula - a um só tempo - o desperdício e a miséria. Nas ilhas de lixo estão os sintomas do aquecimento global, das enchentes e das secas, do tsunami dos agrotóxicos, do surgimento de cânceres e de novas pandemias viróticas, além da emergência de bactérias imunes aos antibióticos e de bolsonaristas de todos os tipos, cores, credos e idades.

Ali estão, entre sinais do fim do mundo, os chamados que nos convocam ao enfrentamento de um grupo que elogia a ignorância, a arrogância e o fascismo. A sociedade precisa decodificar, ressignificar o orgulho com que aqueles criminosos exibem suas tornozeleiras, afirmando que é questão de tempo, e nos farão engolir suas vontades e verdades terraplanistas.

Enfim, não nos basta a certeza de que o governo Lula está indicando, onde consegue, os melhores nomes dentre os nossos, para fazer deste governo o melhor da história do país. Se trata de algo necessário, mas insuficiente, diante de tendências que se estendem a todos os territórios. Que reverberam nas casas, nos bares, nas ruas e veredas dos campos e das cidades, onde estamos nós, onde o governo federal não chega, e onde eventualmente impera a vontade de prefeitos como o Melo, governadores como o Leite, senadores como Heize e Mourão.

Em Porto Alegre, onde os dramas parecem piadas, o problema cresce na medida em que minimizamos seus conteúdos, pela diversão que encontramos em suas formas. Vejam que aqui o gerente do bar que explora aquele espaço junto ao lago, no Parque Farroupilha, teria contratado mercenários para matar os gambás (segundo informa o Movimento Preserva Redenção) que por ali circulam. Um bar estabelecido por concessão pública, em parque que é verdadeira reserva ecológica, e que se atreve a mandar matar seres que ali habitam, porque os considera feios, ilustra bem o espírito a ser por nós combatido, em defesa da vida.

A ignorância e a arrogância de pessoas que não sabem e nem querem saber do papel, da função e dos direitos dos “outros”, alimentam de uma mesma forma a ilha de lixo, no rio, os centros de tratamento de oncologia infantil, as mortes por contatos com bactérias imunes aos antibióticos conhecidos e o bolsonarismo golpista.

Seria necessário lembrar que, para o parque, e seus frequentadores, os gambás são mais importantes do que aquele bar?

Aqueles animais são os mais eficientes controladores de escorpiões, insetos que proliferam nas áreas sombreadas e úmidas do parque. Se o bar vencer, as crianças picadas e os atendentes do pronto socorro perceberão as implicações da ausência daqueles animais, assim como todos perceberemos a morte dos rios.

Precisamos, por dever e como outros cidadãos e grupos conscientes, empenhar parte de nosso tempo no esclarecimento social e no chamamento de todos que possam se mostrar dispostos a abrir os olhos para o que está em jogo, a acordar e se incorporar na luta contra o capeta capital e seus agentes terrenos.

E se não afrouxarmos, com certeza venceremos.

Basta ver os sinais.

Silvio nos Direitos Humanos, Sonia nos Povos Indígenas, Dilma nos Brics e o escárnio debochando dos golpistas, neste e todos os carnavais.

Sem anistia, e com alegria, observando os sinais e nos somando àqueles que fazem o que cremos deva ser feito, venceremos.

https://www.youtube.com/watch?v=Wr1jxkKi8Qw

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira

*Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.


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