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Fica vermelha, cara sem vergonha (por Leonardo Melgarejo)

Fica vermelha, cara sem vergonha (por Leonardo Melgarejo)

Nesta semana a notícia chocante foi a de trabalho escravo ou “análogo à escravidão”, em vinícolas da Serra gaúcha. Descendentes de italianos pobres, expulsos (pela miséria) de seu país de origem, imigrantes que enfrentaram e venceram o preconceito dos locais e construíram naqueles terrenos pedregosos, verdadeiro polo de desenvolvimento passam a ser, agora, envergonhados por seus netos mais bem sucedidos. A história mostra que com trabalho duro, agregando tecnologias, inventividade e práticas de fortalecimento das tradições, seus antepassados ergueram a simbologia que permite aos de hoje usufruírem os padrões de riqueza e prosperidade que ali vicejam.

Ao mesmo tempo, e isso se revelou agora, as novas gerações cultivaram um espírito fascista, racista, capaz de justificar a importação de brasileiros pobres, do Nordeste, e explorá-los da forma mais desumana possível, retroagindo a limites da escravidão que seus descendentes, mesmo nos piores momentos, não chegaram a conhecer.

Em defesa dos empresários que patrocinaram tamanho descalabro, um vereador bolsonarista se atreveu a explicitar, como se fossem justificáveis, a ausência de limites éticos e morais subjacentes ao racismo, à xenofobia e à ganância, consolidados naquele espaço.

Não por coincidência, aquele tipo de liderança regional levou Bolsonaro a obter 75% dos votos, em outubro, e pouco antes (3/6/22) o ministro Luiz Fux, então presidente do STF a ser expulso e impedido de falar sobre Risco Brasil e Segurança Jurídica.

Mais do que críticas, estes fatos merecem reflexão cuidadosa.

Parece que, na ausência de um propósito, de um objetivo consolidado, de uma orientação civilizatória, os filhos de imigrantes estabelecidos na Serra gaúcha foram induzidos a abandonar suas referências históricas e, meio atarantados, se viram incorporados a projetos alheios. Talvez por isso, Garibaldi, o herói de dois mundos, aquela espécie de Che Guevara do passado, agora se vê reduzido a rótulo vazio, emprestando seu nome a uma das vinícolas flagradas na exploração de males contra os quais ele dedicou a vida.

A erosão da imagem positiva da colonização italiana, bem como o avanço da degradação de valores humanistas ali constatada nesta semana, são rastros indicativos do golpismo bolsonarista que ali viceja e que, possivelmente ainda reverberará por décadas, sobre todos os gaúchos. Isto porque é inequívoca e enorme a tempestade de ameaças que agora pairam sobre as construções coletivas naquele território. Não se trata apenas da vergonha dos habitantes, do enxovalhamento da história ou das indenizações às vítimas, até porque muitas delas ainda não estão identificadas.

Os desdobramentos do crime sugerem que agora ocorrerão não apenas boicotes a empresas milionárias, que disputavam o mercado internacional de vinhos, atraindo turistas de todo o Brasil, como se desenha cenário de perdas que arrastarão à falência outras atividades e serviços, estendendo-se a todos os habitantes daquele território e comprometendo a economia gaúcha como um todo.

Como isso começou? O que levou os descendentes de imigrantes italianos a adotarem práticas que os levaram à base do golpismo antidemocrático? Como contribuir para recuperação da alma garibaldina, da democracia pautada por valores e, inclusive, da imagem de prosperidade solidária e honesta com que nos acostumamos a pensar e que desejamos rever na Serra gaúcha? Respostas difíceis de obter. Aparentemente precisaremos que aquela comunidade se reencontre. Que enfrente os mecanismos de desinformação que operaram em favor de interesses econômicos ofensivos à própria vida, substituindo-os por modelos de sucesso que rejeitem qualquer associação entre trabalho escravo e realidade gaúcha.

Trata-se de recuperar a dignidade regional, privilegiando novos indicadores, recuperando a história e as tradições dos imigrantes italianos, dos maragatos farroupilhas e dos povos de Sepé. Para tanto, uma das possibilidades parece associada à valorização de cooperativas e associações que não compartilham as práticas e valores criminosos relacionados ao golpismo bolsonarista e ao lucro desonesto acima de tudo e de todos.

Como exemplo, vale destacar a produção de vinhos e sucos da Cooperativa Monte Vêneto. Produtos de base agroecológica, honestos, de alta qualidade e sob orientação do MST. Confira. Colabore. Ali se produz, antes e mais do que tudo, cidadania.

https://www.instagram.com/p/CpVOZ4cOr0R/

Um Anúncio e um convite: MST realizará 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico em Viamão (RS)

Sugestões de leitura: Estudos produzidos por pesquisadores assentados e filhos de agricultores assentados, em curso de especialização em agro ecossistemas promovido em parceria do Pronera com a UFSC. Para acessar gratuitamente os volumes 1 e 2, basta fazer o cadastro como se fosse comprar. O valor será R$ 0,00. A seguir, preencha todos os passos, forneça suas informações e faça o download, gratuitamente, pelo link informado. Veja o Volume um e o Volume dois.

Uma música? Clementina de Jesus – Cangoma me chamou

https://www.youtube.com/watch?v=94Mf9Uw4jGo

por-Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.


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