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Projeto de Lei sobre parto seguro quer impedir uso do termo ‘violência obstétrica’ no RS

Projeto de Lei sobre parto seguro quer impedir uso do termo ‘violência obstétrica’ no RS

Quando a representante do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RS) Virgínia Moretto iniciou sua participação na audiência pública que debateu o Projeto de Lei (PL) 277/2019, sobre Parto Seguro, a reunião realizada nessa quarta-feira (26) já tinha quase uma hora de duração. Ao dizer que tem respeito pela ciência e as mulheres, Virginia se mostrou surpreendida pelo que tinha ouvido até aquele instante, entre considerações sobre parto domiciliar, nascituro e Deus. “Achei que iriamos discutir os pontos do projeto”, falou. O PL é de autoria do deputado estadual Thiago Duarte (DEM).

A representante do Coren-RS avaliou que os artigos e incisos do projeto tratam o plano de parto de modo equivocado, com ênfase na autonomia do médico. Virginia destacou que o plano de parto deve ser concebido desde o pré-natal e que os desejos da mulher grávida devem ser atendidos. “As equipes devem se adequar ao plano de parto e não o contrário”, afirmou.

Outro ponto criticado foi o trecho do PL que faz referência ao acompanhante da grávida como sendo o pai do bebê. Para Virginia, a intenção da lei com isso é impedir a presença de doula. “Todas as evidências e trabalhos mostram que a doula ajuda a reduzir o trabalho de parto e melhora a assistência à mulher. A gente precisa chegar em consensos e avançar em termos científicos. Essa lei a gente vai precisar revisar.”

Antes da representante do Coren-RS, quem primeiro falou sobre a necessidade de revisão do Projeto de Lei foi Suzete Bragagnolo, do Ministério Público Federal (MPF-RS). A procuradora disse que o PL tem incompatibilidades com leis federais e normativas do Ministério da Saúde. Como exemplo, citou como retrocesso o artigo que faz referência ao acompanhante da gestante ser o pai, e afirmou que a mulher tem direito de escolher quem lhe fará companhia. 

Suzete também criticou a previsão de que apenas a equipe do hospital participe do parto, novamente destacando que tal medida impede o acompanhamento por doula. “Proponho uma análise mais atenta e que venha a colaborar com o que já temos de avanços legislativos.” 

A procuradora do MPF-RS ainda questionou o PL por vedar o uso do termo “violência obstétrica”, uma expressão que, ela disse, já está consolidada. O termo é fortemente repudiado por parte da classe médica, posição que seria expressa na audiência por Marcelo Matias, representante do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers). Matias disse que o termo é político e inaceitável para a categoria médica.

“A lei não deve comportar termos preconceituosos e pejorativos. Nunca aceitaremos a introdução do tema violência obstétrica. Um termo violento como esse só vai gerar violência”, afirmou, causando revolta nos outros participantes da audiência. O representante do Simers também polemizou ao acusar haver interesses econômicos por trás do tema. Para ele, há pessoas que querem se integrar financeiramente no “mercado do nascimento”.

A vida e os direitos

Primeiro a se pronunciar na audiência pública, Marcelo Rodrigo da Luz representou o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e centrou sua análise do PL 277/2019 pela perspectiva religiosa. Discorreu sobre o direito à vida da mãe e do bebê e articulou o raciocínio até chegar na bíblia.

“Parece redundante mas o direito à vida é fundamental para que todos os outros direitos sejam efetivados, e acredito que essa é a visão do Estado e da equipe de saúde. Primeiramente garantir a vida da mãe e do feto, antes de qualquer coisa. Cabe relatar que antes das leis dos homens serem escritas, isso já era descrito no livro mais antigo que conheço, que é a bíblia sagrada”, disse o representante do Cremers. 

Em seguida, elogiou o Projeto de Lei por proteger a vida, “uma dádiva de Deus”. Rodrigo da Luz afirmou que a vida do feto muitas vezes é deixada de lado por “militância” e disse que cabe à equipe médica a função de detectar e corrigir eventuais problemas na hora do parto. “Ninguém mais habilitado para tentar, com a ajuda divina, salvar duas vidas do que um médico na sala de perto.”

O debate efetivo sobre os pontos do Projeto de Lei foi protagonizado pelas mulheres representantes das entidades que participaram da audiência pública. Marienne Riffel, da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo-RS), destacou ser uma inversão de valores o Artigo 2º do PL se referir ao Plano de Parto conforme a autonomia do médico. O plano, ela afirmou, é o primeiro item das boas práticas e sob o ponto de vista da gestante. “O plano não é realizado para ela, é realizado a partir de informações dadas por ela. São as instituições e os profissionais que precisam prever como atender o plano de parto elaborado com ela.”

Luciana Brito, co-diretora do Instituto Anis, também centrou sua análise no Artigo 2º, que privilegia a autonomia do médico e não a da gestante. “Me pergunto se o PL quer mesmo cuidar da paciente ou se é apenas para defesa corporativa”, questionou, acrescentando que o Projeto de Lei ignora a autonomia das mulheres em tomar decisões.

A co-diretora do Instituto Anis disse concordar que o Plano de Parto preveja situações de emergência, com a ressalva de que tal situação seja discutida previamente com a gestante. “Negar a autonomia é perpetuar práticas de violência. Esse PL retira o protagonismo da mulher em um momento tão importante.”

Em sua participação na audiência pública, Lara Werner, do Observatório da Violência Obstétrica, destacou que quem mais sofre com a prática são mulheres pobres e negras e que falar sobre o tema significa qualificar os serviços de saúde.

O debate sobre a atuação de doulas esteve presente em toda a audiência. Na opinião da Natália Fetter, coordenadora-geral da Associação de Doulas do Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei proposto, se aprovado, vai inviabilizar a assistência prestada por doulas para as gestantes que quiserem. Ela explicou que a função da profissional é prestar assistência física e emocional às gestantes, um trabalho que não compete com o da equipe médica que realiza o parto.

Assim como outras participantes da audiência pública, Natália também criticou a intenção do Projeto de Lei de não permitir o uso do termo violência obstétrica. “Proibir esse termo é culpabilizar a vítima de um abuso sofrido. Não é justo que as mulheres sofram e não possam reportar isso às autoridades.”

FONTE: SUL 21

Imagem: Sul 21


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