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“Querem saber se vim de barco”: Semana Africana debate estereótipos e celebra a diversidade do continente
Uma vivência que desconstrói estereótipos
A imagem da África ainda é marcada por ideias equivocadas e reducionistas. A III Semana Africana de Pelotas vem para virar essa chave, promovendo um mergulho nas múltiplas culturas, histórias e conhecimentos do continente africano. O evento, gratuito e aberto ao público, acontece entre os dias 29 de maio e 1º de junho, com atividades na Universidade Federal de Pelotas e na Praça Coronel Pedro Osório.
A entrevista com Célia Artemisa Miranda, pedagoga e coordenadora da semana, e Cipriano Parafino, pesquisador moçambicano e integrante da comissão organizadora, foi ao ar no programa Contraponto, da RádioCom. Eles apresentaram as propostas do evento, refletiram sobre os desafios enfrentados por estudantes africanos no Brasil e convidaram a população para se envolver ativamente na programação.
Um evento para contar a história da África
A III Semana Africana é organizada por estudantes de mais de 15 países africanos. A primeira edição ocorreu em 2018, a segunda em 2019, e a terceira estava prevista para 2020, sendo adiada pela pandemia. Em 2025, ela retorna com ainda mais força, trazendo oficinas gastronômicas, apresentações culturais, palestras, exposições e debates.
“A África não é um país, é um continente com 54 países, com uma imensa diversidade”, afirmou Cipriano Parafino. Ele destacou o papel do evento em apresentar essa complexidade e desmistificar estereótipos frequentemente reproduzidos pela mídia. “É comum perguntarem se a gente veio de barco ou se lá só tem mato. Eu estudo inteligência artificial. Antes de vir, eu já era formado em computação.”
Segundo Célia, a Semana é um espaço para resgatar e valorizar as conexões históricas e culturais entre a África e o Brasil, especialmente na cidade de Pelotas, onde há forte presença afrodescendente. “Queremos que a população local conheça as culturas africanas por quem vive essas culturas, que tenha um contato direto, e não apenas pelas lentes distorcidas dos livros e da internet”, explicou.
Educação para além da sala de aula
A organização da Semana Africana defende uma educação que ultrapasse os muros da escola e da universidade. Um dos pilares do evento é a valorização do ensino da história africana contado por quem vive essa história. “É preciso que sejamos nós, africanos, a falar sobre Angola, Moçambique, Cabo Verde. Não só repetir o que está na internet ou nos livros didáticos desatualizados”, explicou Célia.
Nesse sentido, a programação busca atrair professores, estudantes do ensino médio e universitários. A intenção é criar espaços de troca direta de saberes, com ênfase na escuta ativa e na construção coletiva do conhecimento. Além das palestras, haverá oficinas, rodas de conversa e apresentações de trabalhos sobre afro-brasilidade e temáticas africanas. A organização está recebendo resumos até 12 de maio, incentivando a produção de conhecimento sobre a diversidade étnico-racial e histórica que liga os dois lados do Atlântico.
A ciência que nasce do cotidiano
A presença africana na academia também é motor de inovação e transformação. Cipriano Parafino estuda sistemas inteligentes na área de inteligência artificial, com foco no combate a discursos de ódio e fake news em redes sociais. “Tudo que escrevemos pode ser interpretado de várias formas. Estou desenvolvendo uma tecnologia que ajude a identificar e mitigar essas ambiguidades nocivas na internet”, explicou.
Célia, por sua vez, pesquisou a trajetória de estudantes de Cabo Verde que, mesmo com poucas condições, conseguiram se destacar academicamente. “É uma forma de entender como o saber pode ser ferramenta de resistência, de superação e de transformação da realidade”, disse. Ambos destacaram que suas pesquisas são voltadas para soluções que impactem diretamente suas comunidades de origem.
Para eles, a ciência também é uma forma de fortalecer vínculos com a terra natal. “A gente estuda aqui pensando em como contribuir com o nosso país. Não é uma relação de fuga, como pensam. É uma busca por conhecimento que queremos devolver à nossa gente”, afirmou Cipriano.
Convivência multicultural e construção coletiva
A organização da Semana Africana é, por si só, um exemplo prático de interculturalidade e convivência entre diferentes realidades. Estudantes de ao menos 15 países estão envolvidos, cada um trazendo elementos de sua identidade para compor um evento plural e representativo.
Há quem contribua com receitas típicas, quem traga trajes tradicionais, quem organize atividades culturais ou atue na parte técnica e de comunicação. “É uma verdadeira costura de culturas. O pessoal da Nigéria, por exemplo, mandou roupas tradicionais diretamente de lá para serem usadas aqui no evento”, contou Célia.
Essa vivência compartilhada, segundo os entrevistados, é um aprendizado constante e mútuo. “Às vezes a gente percebe que algo da cultura de Cabo Verde é parecido com um hábito da Nigéria. Ou que um prato típico da Angola tem uma versão semelhante aqui no Brasil. Isso é lindo. É quando percebemos o quanto estamos conectados”, disse Cipriano.
Apoio ao evento
Apesar do entusiasmo e da diversidade de iniciativas, a organização da III Semana Africana enfrenta dificuldades significativas na obtenção de apoios e patrocínios. A comissão, formada por estudantes africanos da UFPel, tem mobilizado esforços para viabilizar o evento, mas não dispõe de recursos financeiros próprios para garantir toda a estrutura desejada. Parte da programação ainda está em definição e depende diretamente do apoio que for conquistado. Entre as principais necessidades estão passagens e diárias para palestrantes convidados, insumos para oficinas gastronômicas, materiais de divulgação, estrutura para apresentações culturais e coffee breaks.
Segundo Cipriano Parafino, a dificuldade em obter apoio pode estar ligada a estereótipos raciais: “Já batemos várias portas e percebemos que está havendo um bloqueio. Talvez por causa do racismo. Se a cor fosse outra, acredito que a ajuda viria de imediato.” Célia Artemisa reforça que toda ajuda é bem-vinda: “Somos estudantes. Não temos verba própria, mas temos disposição e compromisso com o que estamos construindo.”
Serviço
III Semana Africana de Pelotas
Data: 29 de maio a 1º de junho de 2025
Local:
- Quinta, sexta e sábado: Campus II da UFPel — Rua Almirante Barroso, 1202
- Domingo: Praça Coronel Pedro Osório, Centro de Pelotas
Descrição: Evento gratuito que reúne atividades acadêmicas, culturais e gastronômicas organizadas por estudantes africanos da UFPel. A programação inclui palestras, oficinas de culinária africana, exposições, danças tradicionais, debates e atividades infantis.
Entrada: Gratuita
Inscrições:
- Para apresentação de trabalhos: até 12 de maio
- Para ouvintes: até o dia do evento (com certificado de participação)
Instagram: @fap20_25
*Confira a entrevista completa no canal da RádioCom Pelotas no YouTube.
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