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Será por ignorância? Ou é por maldade, da pior? (Por Leonardo Melgarejo)

Será por ignorância? Ou é por maldade, da pior? (Por Leonardo Melgarejo)

No comentário desta semana, voltamos ao tema da estabilidade dos ecossistemas e dos impactos negativos, que ocorrem sobre a vida, quando predominam posturas atentatórias às poucas regras fundamentais, que definem o surgimento e a existência das coletividades.

Explico: a natureza conduz a vida a partir de regulações complexas que se orientam por um padrão simples: a evolução da vida se dá por meio de diferenciações e especializações de organismos que – no todo – otimizam o uso compartilhado, coletivo, dos recursos fundamentais disponíveis. Basicamente, para melhor aproveitar a água, a luz e o espaço físico, a vida evolui por meio de alterações nas espécies. As mutações bem-sucedidas (na perspectiva do conjunto e não na ótica da competição de todos contra todos) permanecem. As outras são descartadas. Assim, a evolução se orienta por qualificações que, respeitando as condições do meio, ampliam a resiliência do conjunto. Isto se dá pelo fortalecimento de redes simbióticas e pela redução de competições destrutivas. Como evidência, temos o fato de que inexistem espécies campeãs, dominando isoladamente o território, em qualquer local do planeta.

A lição é simples: a vida exige multiplicidade, pluralidade, diversificação e parcerias. Como tudo isso ocorre em função dos recursos básicos (água, luz, calor), observamos grandes conjuntos simbióticos que chamamos de biomas, cobrindo regiões distintas do planeta. E aqui deve ser observado que a vida altera o ambiente, e que isso realimenta o processo de diferenciação evolutiva em função do meio. Assim, plantas com raízes pivotantes buscam água no subsolo, plantas com raízes fasciculadas retém água próximo à superfície, enquanto insetos perfuram o solo para garantir a aeração e a reciclagem de nutrientes que sustenta a vida na superfície. O vento, os insetos e os animais garantem a polinização e carregam sementes, expandindo da rede em direção a outros ambientes.

É fácil observar isso nos casos de maior riqueza biológica. As florestas são comunidades que articulam desde colônias de bactérias do solo até aquilo que se agarra a árvores com mais de 40 metros de altura. E cada árvore reproduz o conceito de floresta, abrigando comunidades distintas de outros seres, nos diferentes estratos de altitude. Enfim, o desenvolvimento da vida reproduz no micro e no macro aquela noção básica de adaptação coletiva, orientada pela diferenciação, especialização e fortalecimento de redes simbióticas voltadas ao uso compartilhado dos recursos básicos: água e energia.

A agroecologia sustenta que a observação destes fatos e o respeito à lógica que os conduz produzirão ações humanas indicativas de sabedoria ou de estupidez. Isso porque dali surgirão processos coerentes com as forças vitais do planeta, ou opostos a elas. Trata-se de simbiose e parceria, estimulando a diversidade, a convivência, as articulações em rede, ou de guerra contra a vida, tentando impor modelos uniformes, tentando fazer que vigorem “espécies campeãs” com eliminação das demais.

Pois bem, a história, a sociologia e a ciência política revelam que isso também ocorre nas sociedades humanas. Em todos os casos percebe-se que a prosperidade depende do uso partilhado dos recursos vitais escassos e indispensáveis a todos, sendo este um dos princípios fundantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda assim, é evidente que persistem as disputas entre aqueles valores e seus opostos que alimentam todas as formas de racismos, explorações e iniquidades. 

Na prática observa-se que a predominância de negações àquelas normativas que apontam em favor da diversidade, faz emergir autoritarismos, privilégios e discriminações que espalham injustiças e que por isso se tornam, com o tempo, insustentáveis. De outro lado, a compreensão e o respeito àquelas orientações baseadas no princípio da solidariedade, sempre trouxeram avanços no rumo de democracias que tendem ao socialismo.

Enfim, observando os ecossistemas e suas relações com nossa sociedade, é possível entender que a estupidez envolvida na destruição de ambientes naturais diversificados, para implantação de monocultivos transgênicos dependentes de agrotóxicos, não apenas ofende a natureza, criando desertos e ameaçando a vida em sua essência, como também estimula processos de desumanização, exclusão e retrocessos civilizatórios. 

No plano social este comportamento induz à erosão de contratos sociais que nos garantem direitos e deveres iguais. Assim, sistemas democráticos arrancados de regimes escravagistas à custa de muito sangue, regridem à modelos de colonização exploratória já superados. Percebemos isso na simplificação criminosa da nossa magnífica sócio-eco-biodiversidade, em favor do agronegócio exportador predatório.  

Neste plano, o deslizamento rumo ao fascismo se expressa na forma de ecocídios, em queimadas do Pantanal e nos monocultivos de soja, ocupando áreas do Cerrado, Pampa e Amazônia. Algo similar ocorre na destruição do sistema legal, com degradação de normas protetivas ao ambiente, aos indígenas, aos quilombolas e aos agricultores familiares. Isso também se observa na isenção de impostos para agrotóxicos, na extinção do CONSEA, na privatização da Eletrobras, na destruição do SUS e dos direitos trabalhistas, na discriminação e criminalização dos sem terra, sem teto e sem trabalho. Enfim, exemplos não faltam.

Em todos os casos se observam impulsos à concentração de privilégios e à disseminação da miséria, com a cumplicidade de uma apatia social que se espalha como epidemia de caráter desumanizante. A sociedade regride sob orientação da ganância e da estupidez de lideranças infames, que se mantém no poder às custas do medo e da desinformação (em verdade, da ignorância) cultivados entre as massas que as sustentam.

Isso vem sendo facilitado por uma espécie de monopólio da verdade, que não apenas nega as leis básicas da vida e incensa cultos ao mito que ama Trump e caga para a CPI da COVID, como ainda engana o povo, com recomendação de vermífugo para controle de virose. E assim, enquanto o presidente da Câmara Federal desconsidera 127 pedidos de impeachment, acumulam-se evidências de corrupção e nos aproximamos do milhão de mortos.

Para superação desta realidade precisamos agir em conformidade com aqueles ensinamentos básicos da vida. Se trata de agir em apoio às lutas por respeito à diferenciação, por acolhimento à diversidade e à multiplicidade de contribuições, pela equalização de acesso a direitos e deveres constitucionalmente garantidos.

Não será fácil, como revela ocorrência desta semana. Ilustrativa da necessidade de participação ativa da sociedade, para enfrentamento e superação da indignidade que nos afronta a todos, enquanto privilegia alguns poucos, vale repetir.

Em poucas palavras: Na CPI da COVID, o ex-sargento da aeronáutica Roberto Dias recebeu voz de prisão. Denunciado por ex-cabo da PM o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde que teria solicitado propina de 200 milhões de dólares para assegurar compra de vacinas contra a covid, estaria sistematicamente mentindo para os senadores, quando foi preso.

Imediatamente senadores alinhados ao governo Bolsonaro criticaram o fato, justificando que outros depoentes, que também haviam mentido na CPI, não teriam sido punidos.

Na disputa entre aceitação passiva e rejeição ao perjúrio, as Forças Armadas ficaram ao lado dos mentirosos. Vejam: em resposta à afirmativa do senador Omar Aziz (PSD-AM) relativa ao depoente Roberto Dias, ex-sargento da Aeronáutica ("Fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo, fazia muitos anos"), e desconsiderando o envolvimento também denunciado na CPI, do ex-cabo, do ex-sargento e de alguns ex-coronéis e possivelmente para defender o ex-capitão, que literalmente estaria, repita-se, “cagando para a CPI”, o ministro da Defesa e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica informaram à nação que "As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".

Anunciava-se assim, articulação entre as Forças Armadas e senadores que se opõem à averiguação de responsabilidades sobre a morte, por covid, de 530 mil brasileiros. Como entender isso?

O que levaria as Forças Armadas a desestimular ações pedagógicas que poderiam evitar enrolações e mentiras na CPI que trata de casos fundamentais à democracia e à vida civil? Haveriam relações entre o espírito e a honra das Forças Armadas e as evidencias cada dia mais robustas de ligações entre a corrupção, a presença de neófitos em pastas tão especializadas como a saúde e a crise civilizatória que vivemos?

Por acreditar que interessa a todos esclarecer este fato, e percebendo sua relação com o ecossistema onde vivemos, vale retornar aos argumentos iniciais, desta coluna.

Percebe-se que no atual desgoverno o privilégio a alguns grupos, a destruição das redes de solidariedade, o descaso a valores éticos e morais, os ecocídios e o genocídio indicam que a nação avança em rumo oposto ao orientado pelos preceitos básicos da vida. Trata-se, como já argumentado, de atitude estúpida, que está desmoralizando a totalidade das instituições e envenenando as relações sociais. Precisamos superar este momento, com o empenho de todos. Vale, neste sentido reiterar apoio ao senador Aziz e ir às ruas, em massa, dia 24/7.

Para isso, se faz necessário o envolvimento de todos e todas.

Chega de tolerância com aqueles que furam os olhos do assum preto, pra que ele assim cante melhor.

https://www.youtube.com/watch?v=g2nbs-wPNmA

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato e da RádioCom.

*Leonardo Melgarejo

Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.

Fonte: Jornal Brasil de Fato


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