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Será que a resposta da sua infelicidade está apenas nos neurotransmissores? (por Mauricio Busatto)
Chegou um novo ano e, com ele, o famoso ritual de parar por alguns instantes, refletir sobre o que foi vivido, prospectar objetivos e desejos para o ciclo que simbolicamente se reinicia: começar academia, se alimentar melhor, viajar com os amigos, etc.
O curioso é o que escutei, dia desses, em uma roda de conversa com amigos psicanalistas: “desejo que em 2023 eu produza mais serotonina e seja menos infeliz”. Todos caíram na gargalhada, claro. O grupo em questão está alinhado em problematizar a discussão tão contemporânea acerca da supremacia do cérebro, onde quase todo o mal-estar psíquico pode ser respondido a partir de um déficit biológico.
Um estudo inédito, publicado em 2022 na revista Molecular Psychiatry – que pertence ao grupo britânico Nature –, debruçou-se sobre a teoria de que a depressão está associada à diminuição da concentração ou atividade da serotonina. A conhecida substância química possibilita a comunicação entre os neurônios e é popularmente apelidada de “hormônio da felicidade”. Na análise, o grupo de cientistas concluiu que “as principais áreas de pesquisa não fornecem evidências consistentes de haver uma associação entre serotonina e depressão”, inclusive que o uso de antidepressivos a longo prazo reduz a concentração de serotonina plasmática, produzindo um efeito contrário do almejado.
Interessante! Esses resultados colocam em questão, no mínimo, a lógica social que centraliza o tratamento do sofrimento psíquico apenas na psiquiatria. Hoje, impera a busca por tratamentos químicos que agiriam sobre áreas cerebrais supostamente deficitárias, e que teriam como efeito aprisionar o ser humano apenas ao destino de seu aparato biológico. Quem nunca escutou frases do tipo “sou depressivo, é genético”; “tenho bipolaridade como meu pai”; “ou minha família toda sofre de ansiedade”.
Não se questiona por que as pessoas são como são. A questão se fecha quando a resposta parte apenas de uma lógica biologicista. Pois, se esse funcionamento passa pela “natureza” familiar, não tem muito o que fazer a não ser procurar uma resposta que atue neste ponto biológico. Neste caso, a medicação.
Não há mais tempo para refletir sobre a origem da infelicidade. Há uma onda de medicalização que cala questões a respeito da insuportável existência na atual configuração social. “Não pense em crise, trabalhe!”.
Então, um novo ser é fabricado, os comportamentos são enquadrados dentro de um suposto “normal”, os sintomas de sofrimento são rapidamente extirpados. Não é o seu relacionamento que é tóxico ou o trabalho que está com excesso de demandas, é você que anda ansioso e precisa de um antidepressivo para se conformar – ou entrar numa forma para não se sentir fora do que a sociedade espera de você!
Hiper acelerados, com sentimento de culpa pelos momentos de ócio (supostamente contra produtivos), isolados por uma estrutura social individualista, bombardeados por padrões sociais inatingíveis do que é ter sucesso. Sempre em dívida com o sistema, sempre atrasados, sempre acreditando que poderíamos ser melhores. Como suportar o insuportável?
As prescrições psicofarmacológicas acabam muitas vezes amordaçando os que denunciam, através do próprio adoecimento, a perversa lógica social, onde os sujeitos passam à posição de meros objetos que produzem mão de obra e consomem produtos.
A quem serve a ideia de resumir a existência humana a um conjunto de neurônios, simplificando os enigmáticos sintomas à maior ou menor quantidade de neurotransmissores dentro das fendas sinápticas?
E o curioso é que justamente a geração que vive o boom tecnológico do desenvolvimento de medicamentos psiquiátricos é a que mais está deprimida. A conta não fecha. Por que será?
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
por Mauricio Busatto
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