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Thiago de Mello, a lei do rio e das águas, contempla o reino do silêncio sonoro

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Conhecido como “poeta da floresta”, o autor de “Os Estatutos do Homem” morreu na madrugada desta sexta, aos 95 anos

“Mantenho minha esperança e a fé na inteligência humana, apesar de todas as ferocidades que se cometem dia a dia contra a vida. Sigo acreditando ardentemente na utopia. A Pátria da Água, com seus verdes milagres, será salva”, escreveu Thiago de Mello em fevereiro de 2001. “Pátria da Água” é a Amazônia, de onde ele saiu. Nascido em Barreirinha (AM), à beira do rio Andirá, conhecido como “poeta da floresta”, Thiago completaria 96 anos em 30 de março. Foi navegar em outras águas na madrugada desta sexta-feira (14).

Ontem mesmo, seu filho Thiago Thiago, músico e compositor, escreveu no Facebook: “Minha filha de 2 anos se refere a meu pai como o vovô da pipa. Ela está certíssima, já que ele mesmo uma vez escreveu: “a profissão é a de poeta ou de empinador de papagaios, o que vem a dar no mesmo”. Em 1983, por sinal, ele publicou o livro Arte e ciência de empinar papagaio.

Ainda que o gesto me doa, não encolho a mão: avanço levando um ramo de sol.

Amadeu Thiago de Mello é um dos mais importantes poetas brasileiros, o último de uma geração, com livros publicados desde os anos 1950 – Silêncio e palavra, o primeiro, é de 1951. Entre a medicina e a literatura, abraçou a palavra.

Resistência

Mas também se tornou conhecido por sua resistência à ditadura, com obras como Faz escuro mas eu canto (1966) eOs Estatutos do Homem, que escreveu durante uma madrugada e logo mostrou ao amigo Pablo Neruda. Era adido cultural no Chile quando veio o golpe de 1964. Renunciou imediatamente ao cargo. Tornou-se exilado. Acolheu muitos brasileiros, como Geraldo Vandré, que compôs Pátria amada, idolatrada, salve, salve em parceria com Manduka, filho de Thiago. Faz escuro mas eu canto também deu título a um espetáculo que Thiago de Mello apresentou com o compositor Sérgio Ricardo nos aos 1970.

Seu último livro de poemas, lançado em 2015, teve o simbólico nome de Acerto de Contas. Nos versos finais, falou de seu “límpido canto de criança”, me instigando que é preciso/ manter a perseverança/ na luta que não tem fim”.

Dizer me basta que não cometi

o pior pecado do homem:

o de não ser feliz (…)

Vi o fundo de um lago de esmeraldas.

Eu fui feliz insuportavelmente.

(…) Sozinho agora sou: perante mim,

ou entre mim e a noite que me chama

espaço em que mal cabe o que escondi.

E mais de meio século de festa,

de lágrimas, de assombro, de ternura

inútil se resume na fagulha

fugaz do tempo em que meu ser total,

resíduo de memórias, já se adere

– imperceptível –

ao silêncio noturno da floresta.

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Por Vitor Nuzzi, da RBA


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