Orgulho e Resistência: A 23ª Parada da Diversidade celebra Ancestralidade LGBTQIA+
Viva Dona Ivone Lara, o meu samba principia quando amo de verdade (por Leonardo Melgarejo)
Lembro do orgulho com que, na infância, no Alegrete, sabíamos ser filhos da terra de Oswaldo Aranha, Mario Quintana, Laci Osório, João Saldanha, Sergio Faraco, Bagre Fagundes e tantos outros que ganharam o respeito de todos em nossa pequena história.
Pessoas que foram ao mundo e nos levaram com elas.
Pessoas que nos trouxeram o mundo. Que atraíram para nosso canto a atenção “de fora”. Lembro que os lambuzávamos de satisfação por uma espécie de parentesco, que nos irmanava, os alegretenses comuns, àquelas referências maiores.
Lembro dos discursos de visitantes. Prefeitos, deputados, que não sabíamos de onde vinham, mas nos enchiam de gosto ao enaltecer e comemorar aqueles grandões que eram, sem dúvida, parte de nós.
Frases repetidas nas rádios, nos clubes, nos botecos, nas refeições no domingo. Como negar, sem dúvida, era de nós que se tratava.
Acredito que pode ter sido por isso que aprendemos a receber bem as visitas. Em especial, mas não apenas quando se tratavam de homens públicos, gente importante que saindo dali seriam escutados onde quer que fossem. Viessem de onde viessem, fossem do naipe que fossem, eram bem recebidos porque, e aprendemos isso lá na infância, assim se faziam e assim se consolidavam as redes da vida.
Com o tempo, nos criamos cercados de motivos para receber bem e com orgulho, visitas que, suspeitávamos, voltassem ou não, deviam levar consigo uma boa imagem daquela terra e sua gente.
Talvez por isso o choque desta semana. Vejam que, na cidade de Bento Gonçalves, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal foi escorraçado como cachorro sarnento. Ele não só foi desconvidado a comparecer e discursar naquela cidade, como foi em certo sentido, corrido da Serra, do estado e quem sabe até do Sul do país.
Por medo, de sabe-se lá o que. Algo tenebroso oscilando entre o piolho, a caspa, a cara feia e ameaças de morte. O fato é que as assim chamadas “forças vivas” daquela região simplesmente cancelaram a palestra, que ironicamente seria sobre “Risco Brasil e Segurança Jurídica”.
Afinal, o que houve? O presidente do STF corria perigo nas terras do Sartonaro?
Será mesmo que passou a ser inseguro, para os ministros do Supremo Tribunal Federal viajar até determinados espaços do território nacional? Desde quando? Desde que o STF passou ser composto, segundo o inominável, por seres refratários à visão de mundo que orienta sua família, a família daquele de quem não se fala o nome?
A pendenga é com o poder Judiciário, com alguns ministros, com todos eles, com a democracia, ou com os direitos humanos em geral?
Como entender que gaúchos da Serra, povo trabalhador que se orgulha de dupla nacionalidade, transborde tamanha virulência contra a República, e tão abjeta subserviência àquele cara que mente três vezes ao dia, que mente em serviço, a trabalho, no exercício de sua função presidencial?
Talvez a ciência nos ajude a entender.
Ao menos, quem sabe aquela nova ciência, denominada Agnotologia.
Ela discute a produção intencional e a massificação da ignorância. Segundo seus teóricos a Agnotologia explica a disseminação da ignorância como instrumento planejado para controle de populações que, uma vez dominadas, acabam se orgulhando disso.
Assim se explicaria tanto a apatia e o acovardamento como o orgulho besta daqueles que expõem, a si e aos seus, a ameaças tão variadas como os cigarros, os agrotóxicos, a cloroquina preventiva da covid, a disseminação de armas de fogo e os elogios ao fascismo.
São pessoas que acreditam em absurdos como a mamadeira de piroca, a terra plana, as vantagens do genocídio, do ecocídio e dos vexames internacionais. Gente que festeja a vergonha de ver seu presidente, com ministros e generais a tiracolo, bajulando um bilionário, exata e apenas porque o cabra é rico.
Pois a Agnotologia sugere que há um padrão neste comportamento onde grupos inteiros de pessoas de repente negam a si mesmas, deixando de se dar ao respeito e ignorando sinais de que a podridão avança com e sobre elas.
Ou não seria um sinal de alerta o que aconteceu com o ministro Fux em Bento Gonçalves? Haveria relações entre aquilo e a autorização para venda de silenciadores para armas de fogo de uso pessoal? O que dizer da “militarização” dos trabalhadores na CEEE Equatorial, privatizada.
Ou do tal “projeto de nação” que ameaça as universidades e o sistema de saúde públicos, que pretende o fim de restrições em áreas de interesse do agro e da mineração na Amazônia e vai além, pretendendo estabelecer uma espécie de administração paralela e superior aos poderes de presidentes eleitos por nós, o povo?
Vejam que analistas de renome internacional apontam estes caminhos como indicativos de alternativa desesperada de um império em franco desabamento.
Mentiras e enrolações agilizando guerras como alternativa para manutenção dos interesses e privilégios de alguns, doa a quem doer.
Campeia por aí uma intencionalidade produzindo a estupidez coletiva? Parece que sim. Há método aplicado por grupos que se beneficiam disso e que se soma à irreflexão de outros, arrebanhados por adesão ao comportamento de manada.
O negacionismo, a rejeição de evidências, o ódio a inimigos inexistentes e outros exemplos deste tipo devem ser entendidos aqui como frutos de um movimento organizado com fins ideológicos. Se trata de avanço da extrema-direita, com apoio de recursos internacionais aplicados à produção da ignorância e à degradação dos direitos humanos universais.
Não é difícil entender que este governo e a figura daquele de quem não se fala o nome resultem disso. São exemplos de como a produção da ignorância em parte da população pode gerar dividendos políticos, eleitorais e financeiros, e assim contribuir para a manutenção de privilégios injustificáveis que paradoxalmente, acabam sendo defendidos pelos expropriados.
Como encerrar este assunto? Será que adiantaria pedir aos gaúchos da Serra e da Fronteira, aos brasileiros do Centro Oeste e tantos outros que foram enganados e votaram em massa em favor daqueles que se beneficiam de nossa degradação como povo, que abram os olhos?
Dizer com todas as letras: Vejam, eles só amam a sim mesmos, negam nossos laços comuns, e premiam torturadores ao mesmo tempo em que desprezam gigantes como Paulo Freire e Nise da Silveira.
A Nise, pioneira do movimento contra métodos agressivos em pacientes com transtornos mentais e referência internacional da psiquiatria humanizada, atuou decisivamente contra práticas de eletrochoque, camisas de força e o isolamento de pacientes psiquiátricos, enquanto Ustra, elogiado e brindado com salário de marechal, pelo inominável, usava aqueles e outros métodos ainda mais brutais, por prazer, contra pessoas que estavam ali, torturadas, por acreditarem ser possível um mundo diferente e melhor, para todos.
Trabalhou com Nise, como enfermeira comprometida contra o sofrimento e a tortura nos hospícios, nossa rainha do samba, Dona Ivone Lara. É dela que nos vem o apelo e o alerta de “em cada canto uma esperança”.
São tantos os irmãos que desconhecem seu próprio valor, e que por isso se deixaram enganar pelo câncer que nos ameaça, que só há uma saída para o refazimento das ligações que nos humanizam: Precisamos, juntos, descartar os fascistas, eleger a esperança de reconstrução nacional, já, com os deputados, senadores e governadores comprometidos com a vitória do povo, em outubro. O futuro se decide no primeiro turno e isso depende de nós.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
Leonardo Melgarejo
Engenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017). Faz parte da coordenação do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (2018/2020 e 2020-2022) e é colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, do Movimento Ciência Cidadã e da UCSNAL.
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