Outubro Rosa: sinal de alerta ligado
Você é mesmo o que veste? (por Regina Abraão)
Você, ao separar seu lixo, nunca teve dúvidas sobre o destino de restos de tecidos ou roupas velhas? Fora o óbvio encaminhamento da doação, o que fazer com roupas íntimas, meias velhas, roupas muito usadas que já não seriam aproveitáveis para outros? Ou com retalhos, sobras de costuras? Se isto nos parece complicado, o que pensar dos resíduos das fábricas de vestuário? O que fazer com lixo têxtil? Ainda mais: ao comprar roupas, o que é levado em conta, suas necessidades ou o apelo midiático?
Segundo a ABIT - Associação Brasileira da Indústria Têxtil, o mundo produz cerca de 170 mil toneladas de lixo têxtil por ano. Deste total, cerca de 20% são reciclados ou reaproveitados, e 135 mil toneladas tem descarte inadequado, em lixões ou pior, na natureza. Isto sem contabilizar o consumo de energia, água, tinturas e outros produtos necessários tanto na fabricação quanto na confecção de roupas e outros produtos têxteis. Estas cifras não incluem o produto descartado após o uso, o que torna a indústria da moda ainda mais poluente. E a indústria é a segunda que mais fatura, no Brasil e no mundo. Mas também é responsável por 8% dos gases emitidos responsáveis pelo efeito estufa. No Brasil, todos os anos, são mais de 4 mil de toneladas de resíduos. A indústria têxtil responde por cerca de 20% do desperdício de água no planeta. Exemplificando: na produção de uma única calça jeans são gastos em torno de 7 mil litros de água.
A indústria da moda é um dos motores do capitalismo mundial. Até meados dos anos 1900 eram produzidas quatro coleções, uma para cada estação, depois as coleções ofereceram a chamada alta estação, com cores e estilos marcantes, definindo moda de determinado ano ou período, e a ideia de “renovação de armários” foi divulgada como sinônimo de modernidade e bom gosto. Até chegar na máxima “você é o que você veste”. De necessidade básica para proteção climática, vestuário foi ressignificado como definição de status e personalidade. A indústria da moda é a sétima no mundo em lucratividade, beirando os 530 bilhões/ano. O investimento em publicidade deste setor motiva o interesse midiático e ajuda a entender a compulsão por roupas de quem possui e de quem não possui recursos para sentir-se “na moda”.
Da produção de quatro coleções por ano até a criação da moda fast fashion, aquela de uso efêmero, a indústria da moda chega hoje a impressionantes 52 coleções anuais, uma por semana. O descarte deste lixo, como todos os outros lixos, é problema grave, e os países ou regiões mais pobres são, como sempre, mais atingidos. Os apelos recebidos de bem vestir que a mídia impõe inclusive para quem mal tem o suficiente para alimentos criam necessidades de ter, comprar, descartar para comprar novamente, mas vão além disto. Tornam a moda uma necessidade, condicionando o ser humano para vestir-se para que outros seres possam lhe atribuir qualidades ou a falta delas. E, de compra em compra, o que fazer com um armário cheio de peças de qualidade, em perfeito estado, mas fora de moda?
Assim chegamos nos lixões têxteis, sendo o maior deles em Atacama, no Chile. Gana e Índia também são destino. Segundo reportagem da bbc.com, ao norte do Chile são descartadas peças imperfeitas ou sem potencial de vendas dos EUA, Europa e Japão. São montanhas de roupas, misturando algodão (dois anos para decomposição) de poliéster (400 anos). A origem destas roupas é o porto de Iquique, onde 50 empresas importam toneladas de roupas para venda posterior. O material que não encontrará mercado é descartado, algo em torno de 60%. Apesar do problema ser conhecido mundialmente e acontecer também em outros países, nenhuma empresa das que compram para revenda assume o descarte, realizado diariamente sem que nenhuma autoridade admita concordância ou tome providências concretas.
O tema é vasto e de solução complexa. Produção de necessidades artificiais, produtos supérfluos e desprezo pelo ambiente são tônicas do capitalismo. Lucro. Além da necessária mudança nos hábitos de consumo, outras ações são possíveis para resolver o problema. Repensar nossas necessidades, entender a compra supérflua como problema e não satisfação, reutilizar roupas em bom estado, encaminhar sobras para reuso nas cooperativas e artesãos. Mas, principalmente, rever a relação pessoal com o consumo, entender a pressão sofrida para manter um sistema agonizante e perceber valores além da aparência . Afinal. Você é muito, muito mais do que o que veste.
O site do Movimento Separe Não Pare (http://separenaopare.com.br) dá boas dicas do que fazer com roupas e retalhos que já não servem mais.
*Regina Abrahão é feminista, acadêmica de Ciências Humanas, educadora social, integrante de Coletivo Pão com Ovo e Fórum Interreligioso e do Ecumênico do RS.* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira
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